🛠️ ONG contratada pelo governo cotou comida para indígenas em loja de autopeças
Fundação recebeu R$ 184 milhões para atender aldeias na Amazônia; auditoria aponta fraudes, ausência de sede e falta de prestação de contas

Uma organização não governamental contratada pelo Ministério da Saúde para prestar serviços a indígenas na Amazônia apresentou orçamento de alimentos com nota de uma loja de autopeças. O caso, revelado por auditoria oficial, expõe um conjunto de irregularidades na execução do convênio com a Fundação São Vicente de Paulo, sediada em Minas Gerais.
Entre 2018 e 2024, a fundação recebeu R$ 184,3 milhões em recursos públicos para atuar no atendimento de saúde do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Alto Rio Negro, que abrange 666 aldeias com mais de 26 mil indígenas em áreas remotas da floresta amazônica.
Autopeças vendendo café da manhã?
Segundo relatório do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus), a ONG utilizou orçamentos emitidos por empresas que não atuam no ramo alimentício, como forma de cumprir a exigência legal de apresentar três cotações de preços antes da compra.
Em um dos casos verificados, a empresa consultada era uma revendedora de peças automotivas. Os orçamentos fraudulentos foram apresentados para a compra de itens básicos como café, leite, biscoitos e pães, que seriam enviados às aldeias.
Mais grave ainda: em várias situações, as três cotações entregues à Sesai eram do mesmo fornecedor ou de empresas com ligações entre si, o que levanta suspeitas de montagem deliberada do processo.
Sem sede, sem equipe, sem transparência
A auditoria apontou que a fundação não possui sede operacional, equipe técnica compatível, veículos ou estrutura mínima para executar o contrato milionário. E mesmo com previsão de contratar 26 profissionais administrativos — incluindo um coordenador com salário de R$ 15 mil —, a ONG terceirizou os serviços de contabilidade, supervisão e recursos humanos, sem comprovar nenhuma entrega concreta.
Despesas como “alimentação”, “consultoria” e “material didático” foram descritas de forma genérica, sem qualquer justificativa de preços, quantidades ou cronogramas. Em vários documentos, nem mesmo está claro o que seria adquirido.
Apesar das falhas, o governo federal continuou repassando dinheiro até julho de 2024, no atual mandato. Só em 2025, após a conclusão da auditoria, o contrato foi suspenso. Até o momento, a única medida tomada foi o pedido de ressarcimento de apenas R$ 1,1 milhão — o equivalente a 0,6% do valor total repassado.
Convênio considerado “não conforme”
O relatório obtido pela reportagem conclui que a execução do convênio foi, em sua maioria, “não conforme” com as normas do SUS. As fragilidades foram reconhecidas pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), que alegou ter feito correções — embora insuficientes para alterar a avaliação dos auditores.
Em nota, o Ministério da Saúde confirmou o encerramento do convênio e afirmou que a prestação de contas segue sob análise do Fundo Nacional de Saúde, com envio de relatórios à Controladoria-Geral da União (CGU) e ao Tribunal de Contas da União (TCU).
“Caso se comprovem irregularidades, a entidade será responsabilizada e deverá ressarcir os cofres públicos”, informou a pasta.
Novo modelo prometido para outubro
Segundo o ministério, o governo está reformulando o modelo de contratação de entidades para atuar nos DSEIs. Dos 34 distritos existentes, dez já migraram para o novo modelo de gestão direta, e os demais devem ser transferidos até outubro de 2025.
A Fundação São Vicente de Paulo não respondeu aos contatos da reportagem.
📌 Destaques
- ONG contratada para cuidar da saúde indígena apresentou orçamento de alimentos fornecido por… loja de autopeças.
- Em vez de três fornecedores diferentes — como exige a lei — as cotações de preços foram feitas por empresas ligadas entre si ou pela mesma fonte.
- Fundação recebeu R$ 184 milhões em verbas públicas entre 2018 e 2024, mas não tem sede, equipe ou estrutura compatível com o serviço contratado.
- Mesmo com previsão de 26 cargos administrativos no contrato, a ONG terceirizou funções como contabilidade e RH — e não comprovou os serviços.
- Itens pagos com dinheiro público aparecem descritos de forma vaga como “alimentação” e “consultoria”, sem definição de preços, quantidades ou cronogramas.
- Apesar de todas as falhas, o governo Lula manteve os repasses até julho de 2024. Só pediu devolução de 0,6% dos recursos repassados desde 2018.
- Auditoria considerou o convênio “não conforme” na maioria dos aspectos, com indícios de fraude, superfaturamento e omissão de informações básicas.
- A fundação foi encarregada de atender 666 aldeias e 26 mil indígenas na Amazônia sem apresentar veículos, equipamentos ou sede operacional.
🟠 OS ABSURDOS DO CONTRATO ENTRE O MINISTÉRIO DA SAÚDE E A FUNDAÇÃO SÃO VICENTE
📦 Alimentos para indígenas foram orçados por… loja de autopeças.
→ ONG usou revenda de peças automotivas para justificar preços de café da manhã e lanche em aldeias da Amazônia.
📑 Cotações “triplicadas” por fornecedores iguais.
→ Em vez de três empresas distintas, as propostas vieram da mesma fonte ou empresas ligadas entre si — o que pode indicar fraude.
🏚️ Sem sede, sem veículos, sem equipe — e com R$ 184 milhões no bolso.
→ ONG não tem estrutura mínima para atender 666 aldeias e 26 mil indígenas.
📉 “Material didático”, “consultoria” e “alimentação” aparecem sem explicação.
→ Relatórios ignoram quantidades, prazos ou valores unitários dos itens pagos com verba pública.
🧾 Terceirizou o que já estava contratado.
→ Mesmo prevendo 26 profissionais administrativos, a ONG terceirizou contabilidade e gestão — e não comprovou entrega dos serviços.
📆 Cotação irregular feita em 2022, auditoria concluída só em 2024.
→ Enquanto isso, repasses seguiram: quase todo o valor do contrato (R$ 221 milhões) já havia sido pago até o ano passado.
⚠️ Governo Lula manteve os pagamentos até julho de 2024.
→ Suspensão do contrato só ocorreu neste ano. O ressarcimento exigido? Apenas 0,6% do valor total.
🔍 Auditoria classificou convênio como “não conforme” em quase tudo.
→ Ministério reconheceu falhas e tenta mudar modelo de contratação, mas só agora — seis anos depois do início do contrato.