MAPA DO CRIME: Brasil Tem 64 Facções Espalhadas pelo País
PRINCIPAL: PCC e Comando Vermelho Dominam Território Nacional com Modelo de “Franquias do Crime”
Levantamento exclusivo revela a capilarização do crime organizado em todas as 27 unidades da federação

O GLOBO
Em uma demonstração de força que mudaria para sempre o cenário criminal brasileiro, o Primeiro Comando da Capital (PCC) tomou controle de dezenas de presídios em apenas 30 minutos, em fevereiro de 2001. Mais de cinco mil reféns. A maior rebelião da história do país. O que as autoridades não imaginavam é que aquela seria apenas a ponta do iceberg de uma transformação que colocaria o Brasil no mapa do crime organizado internacional.
Hoje, 24 anos depois, um levantamento exclusivo de O GLOBO revela a dimensão real dessa metamorfose: 64 facções criminosas operam em território nacional, transformando o país em um mosaico complexo de organizações que vão desde pequenos grupos locais até verdadeiras multinacionais do crime.

GEOGRAFIA DO TERROR: Como o Crime se Espalhou pelo Brasil
As Superpotências Criminais
Duas organizações dominam o cenário nacional com presença quase absoluta. O PCC, nascido em São Paulo, está presente em 25 unidades da federação. O Comando Vermelho (CV), originário do Rio de Janeiro, alcançou 26 estados. Apenas o Rio Grande do Sul resiste à presença dessas duas “multinacionais do crime” – mas não por muito tempo.
O poder dos números: Entre as 64 facções identificadas, 12 têm atuação interestadual, enquanto 52 são organizações locais. Mas é a influência territorial que impressiona. PCC e CV não apenas expandiram geograficamente – criaram um modelo de negócios que inspirou dezenas de grupos menores.
Os Epicentros da Violência

Bahia lidera com 17 facções diferentes, seguida por Pernambuco com 12 e Mato Grosso do Sul com 10. Enquanto os estados nordestinos apresentam um cenário fragmentado – com múltiplas organizações disputando território -, o MS se tornou o maior “importador” de facções do país.
Por que Mato Grosso do Sul? A resposta está na geografia do narcotráfico. A fronteira com Paraguai e Bolívia transformou o estado na porta de entrada da cocaína sul-americana, atraindo nove das 12 facções interestaduais para estabelecer núcleos de operação.
BASTIDORES: O Erro Estratégico que Espalhou o Crime pelo País
O Tiro que Saiu pela Culatra
A decisão do governo paulista, após a rebelião de 2001, de transferir lideranças do PCC para prisões de outros estados foi um erro estratégico fatal. Longe de enfraquecer a organização, a medida funcionou como um programa de expansão involuntário.
Como funcionou na prática: Os criminosos transferidos passaram a “batizar” novos membros pelo Brasil, oferecendo proteção em troca de fidelidade. Era o início da nacionalização não apenas do PCC, mas do próprio conceito de facção criminosa.
O Efeito Dominó
Na esteira da expansão paulista, surgiram dezenas de facções menores, muitas criadas justamente para fazer frente aos “forasteiros” de São Paulo. Guardiões do Estado (GDE) no Ceará, Família do Norte no Amazonas (hoje extinta), Sindicato do Crime no Rio Grande do Norte – todas nasceram como reação ao “imperialismo” do PCC.
O paradoxo: Mesmo odiando o grupo paulista, as facções locais se inspiraram em sua estrutura, criando estatutos próprios e simbologias específicas. O PCC involuntariamente se tornou o modelo a ser copiado.
ARQUITETURA DO CRIME: Dois Modelos, Uma Mesma Eficiência

PCC: A Máquina Disciplinada
Fundado em 31 de agosto de 1993 na Casa de Custódia de Taubaté (Piranhão), o PCC nasceu com o discurso de combater a opressão prisional após o massacre do Carandiru. Seus oito fundadores originais incluíam figuras como Mizael Aparecido da Silva (criador do primeiro estatuto) e José Márcio Felício, o Geleião (inventor da sigla PCC).
A estrutura militar: O PCC adotou uma hierarquia piramidal rígida, com cargos específicos e disciplina férrea. Cada membro conhece seu lugar na cadeia de comando. É uma organização que funciona como empresa multinacional, com cerca de 40 mil membros e presença em 28 países.
Faturamento bilionário: Estimativa conservadora aponta receita anual de US$ 1 bilhão. O dinheiro vem do narcotráfico, mas é lavado através de uma sofisticada rede que inclui postos de gasolina, imóveis, fintechs, empresas de ônibus e até ONGs.
Comando Vermelho: A Confederação Flexível
Nascido no fim dos anos 1970 nas prisões fluminenses, o CV adotou estratégia diferente. Em vez de hierarquia rígida, criou um modelo de “alianças entre donos de morro” – uma confederação flexível que se adapta às realidades locais.
O modelo franquia: Quando o CV se expande, incorpora líderes regionais como “donos de estados inteiros”. Facções menores preferem se associar ao CV para preservar estruturas já existentes, funcionando como franquias criminais.
Autonomia territorial: Cada “dono” tem liberdade para gerir seu território como entender, unidos apenas pela marca CV e regras básicas de convivência criminal.
FENÔMENO GLOBAL: Da Facção à Máfia

A Metamorfose do PCC
Para o promotor Lincoln Gakiya, do Gaeco-SP, o PCC já pode ser considerado uma organização mafiosa aos moldes das italianas. A transformação aconteceu quando o grupo criou, por volta de 2010, uma estrutura robusta de lavagem de dinheiro.
Antes de 2010: O PCC literalmente enterrava dinheiro em “casas-cofre” Depois de 2010: Criou uma sofisticada rede de empresas legais para lavar recursos
Os sinais da “mafiosificação”:
- Atuação transnacional consolidada
- Hierarquia piramidal definida
- Infiltração nos poderes do Estado
- Sistema robusto de lavagem de dinheiro
- Influência na economia formal
O Impacto na Economia Legal
Grandes empresas e bancos já procuram analistas para avaliar riscos antes de se estabelecer em regiões com presença do crime organizado. O PCC deixou de ser apenas um problema de segurança pública para se tornar uma questão econômica.
Setores infiltrados: Postos de combustível, mercado imobiliário, concessionárias, empresas de tecnologia financeira, transporte público, instituições religiosas, casas de apostas, negócios ligados ao futebol e organizações não-governamentais.
VIDA UNDER CONTROLE: A “Governança Criminal” nas Comunidades
As Novas Regras do Jogo
Cidades que antes contavam apenas com pequenos bandos criminosos assistem hoje ao surgimento de grupos estruturados que controlam bairros inteiros. Não são apenas criminosos – são novos governantes de facto de milhares de brasileiros.
As regras universais:
- Jamais falar com a polícia (mandamento primário)
- Não roubar na comunidade (proteção local)
- Punir violência sexual (controle social)
Guerra e Terror Cotidiano
Em períodos de conflito, as regras se tornam draconianas. Em Fortaleza, durante os intensos confrontos de 2024-2025, moradores precisavam mostrar conversas do WhatsApp para comprovar lealdade, sob risco de tortura ou morte.
O novo normal: Populações inteiras vivem sob códigos de conduta impostos por facções, em uma realidade onde o Estado perdeu o monopólio da força e da regulação social.
CENÁRIO FUTURO: Rumo à “Mafiosificação” Total
A Lei Antimáfia em Discussão
Um grupo de trabalho no Ministério da Justiça elabora projeto de lei para criar classificação especial para organizações de tipo mafioso no Brasil. A chamada “Lei Antimáfia” prevê:
- Aumento de penas para lideranças de grandes facções
- Tratamento mais eficiente para bens apreendidos
- Criação de agência exclusiva para combater máfias
- Novas ferramentas de confisco e sequestro de patrimônio
O Diagnóstico dos Especialistas
Para o professor Benjamin Lessing (Universidade de Chicago), existe uma clara tendência de “faccionalização” no Brasil. O pesquisador Daniel Hirata (UFF) aponta que o Comando Vermelho ainda não atingiu status mafioso, mas pode evoluir nessa direção.
O consenso acadêmico: O Brasil vive uma transformação estrutural do crime organizado, que deixou de ser fenômeno local para se tornar ameaça nacional com ramificações internacionais.
RADIOGRAFIA DO TERROR: Os Números que Assustam
Presença Territorial
- 64 facções identificadas nacionalmente
- PCC: 25 estados + DF
- CV: 26 estados + DF
- 12 facções com atuação interestadual
- 52 organizações de atuação local
Concentração Regional
- Bahia: 17 facções
- Pernambuco: 12 facções
- Mato Grosso do Sul: 10 facções
- Rio Grande do Sul: único estado sem PCC/CV
Dimensão Internacional
- PCC: Presente em 28 países
- Faturamento estimado: US$ 1 bilhão/ano
- Membros aproximados: 40 mil pessoas
- Única facção estrangeira no Brasil: Tren de Aragua (venezuelana) em Roraima
Estados “Exportadores”
- Rio de Janeiro: CV + TCP + ADA
- São Paulo: PCC + facções menores
- Rio Grande do Sul: BNC + Os Manos
O Brasil não está apenas assistindo ao crescimento do crime organizado – está sendo reconfigurado por ele. Das ruas às empresas, das prisões aos gabinetes, o país enfrenta uma transformação que exige resposta à altura de uma ameaça que já não conhece fronteiras.
PERNAMBUCO: O Laboratório da Violência Nordestina
12 Facções em Guerra: O Estado que Virou Campo de Batalha
Segundo colocado nacional em número de organizações criminosas, PE vive fragmentação extrema do poder criminal

Se o Brasil é um mosaico criminal, Pernambuco é seu caleidoscópio mais violento. Com 12 facções identificadas, o estado nordestino exemplifica como a fragmentação territorial pode transformar uma unidade da federação em verdadeiro campo de batalha entre organizações que disputam cada metro quadrado.
A geografia do terror pernambucano revela um cenário onde as duas superpotências nacionais do crime – PCC e Comando Vermelho – disputam espaço com dez grupos locais extremamente violentos, cada um defendendo seus territórios com métodos que chocam até investigadores experientes.
Porto de Galinhas: Quando o Paraíso Vira Inferno
O caso mais emblemático da violência pernambucana acontece onde menos se esperaria: Porto de Galinhas, cartão-postal turístico do estado, está sob controle da facção Trem Bala, nascida em Ipojuca no Litoral Sul.
O nascimento de uma facção: Originalmente, o Trem Bala disputou território palmo a palmo com o Primeiro Comando de Ipojuca (PCI) em uma guerra que fez os números de homicídios explodirem na região. As investigações revelaram métodos de tortura e execução que incluíam corpos enterrados de cabeça para baixo no mangue – uma assinatura macabra que se tornou marca registrada do conflito.
A estratégia da fragmentação: O Trem Bala posteriormente se dividiu em duas novas organizações – Comando Litoral Norte (CLN) e Comando Litoral Sul (CLS) -, demonstrando como facções locais evoluem e se adaptam para controlar territórios específicos com maior eficiência.
O Jogo das Alianças Mortais
Uma característica única das facções pernambucanas é sua flexibilidade estratégica: grupos como o Trem Bala alternavam alianças ora com traficantes ligados ao CV, ora ao PCC, dependendo dos interesses momentâneos e das oportunidades de negócio.
Presença nacional confirmada: A infiltração do Comando Vermelho em solo pernambucano foi confirmada de forma espetacular em junho de 2025, quando operação da Polícia Federal prendeu duas mulheres acusadas de coordenar as ações da facção carioca no estado. Um mês depois, em julho, um dos principais líderes do PCC em Pernambuco foi morto em confronto com a PM em Casinhas, no Agreste.
Perfis das Facções Locais: Do Bizarro ao Brutal
Os Gêmeos do Crime
A facção “Gêmeos de Gaibu” – também conhecida como “Gêmeos de Catende” ou “Tudo Dois” – é liderada pelos irmãos gêmeos Edcleibson João da Silva e Edcleidson Evilásio da Silva, que acumulam diversas passagens pela cadeia. O nome não é coincidência: a simbologia da dualidade permeou toda a organização do grupo.
O Bonde que Sumiu
O Bonde da Nike representa um fenômeno interessante: facções que aparecem e desaparecem do radar policial. Sua última aparição documentada foi durante a prisão de cinco homens em Jaboatão dos Guararapes, que portavam submetralhadoras roubadas do próprio prédio da Polícia Civil – um feito que demonstra tanto a ousadia quanto a capacidade de infiltração do grupo.
Futebol e Crime: A Conexão Perigosa
Particularidade pernambucana: pelo menos três grupos identificados no levantamento seriam originalmente torcidas organizadas de times da capital, evidenciando como o fanatismo esportivo pode evoluir para atividade criminosa organizada.
Lista Completa das Facções Pernambucanas:
Nacionais (2):
- Primeiro Comando da Capital (PCC)
- Comando Vermelho (CV)
Locais (10):
- Bonde da Nike – Status incerto
- Bonde da União – Origem: torcida organizada
- Bonde dos Cachorros – Atuação metropolitana
- Bonde dos Loucos – Vinculação esportiva
- Comando Litoral Norte (CLN) – Cisão do Trem Bala
- Comando Litoral Sul (CLS) – Cisão do Trem Bala
- Gêmeos de Gaibu – Liderança familiar
- Haja Paz nos Quatro Cantos (HP4) – Nome irônico
- Primeiro Comando de Ipojuca – Rival histórico do Trem Bala
- Trem Bala – Controla Porto de Galinhas
O Custo Humano da Fragmentação
A multiplicidade de facções em território relativamente pequeno cria um cenário de violência endêmica: cada grupo precisa demonstrar força constantemente para manter seu território, resultando em ciclos intermináveis de vingança e retaliação.
Métodos extremos: As investigações policiais revelam que as facções pernambucanas adotaram métodos de extrema crueldade não apenas contra rivais, mas como forma de terrorismo psicológico contra comunidades inteiras. O caso dos corpos enterrados de cabeça para baixo no mangue é apenas uma das técnicas documentadas.
O Futuro Incerto
Pernambuco representa um laboratório natural de como o crime organizado se adapta e evolve em contextos de alta competição territorial. A tendência indica que apenas as facções mais estruturadas sobreviverão, podendo resultar em consolidação futura – ou em explosão ainda maior da violência.
Para os especialistas, Pernambuco é um alerta: o que acontece hoje no estado pode ser o futuro de outras unidades da federação onde o crime organizado ainda está se estruturando. A lição é clara: a fragmentação criminal pode ser tão perigosa quanto a hegemonia de uma única organização.