đ Conversas do Comando Vermelho revelam tortura de moradores e âtribunais do trĂĄficoâ em favelas do Rio

Mensagens interceptadas pela polĂcia mostram rotina de julgamentos, execuçÔes e puniçÔes impostas pelo crime organizado. Investigação aponta expansĂŁo violenta da facção pela capital fluminense.
As conversas rastreadas pela PolĂcia Civil do Rio de Janeiro no celular de integrantes do Comando Vermelho (CV)revelam o grau de violĂȘncia e controle exercido pela facção sobre comunidades da capital fluminense.
As mensagens, imagens e vĂdeos, obtidos com autorização judicial, mostram relatos de tortura de moradores, execuçÔes sumĂĄrias e a instalação de uma justiça paralela, onde lĂderes determinam castigos e sentenças Ă  margem do Estado.
âïž âTribunal do trĂĄficoâ e execuçÔes em vĂdeo
De acordo com a denĂșncia do MinistĂ©rio PĂșblico do Rio (MP-RJ), o CV impĂ”e uma estrutura de poder hierarquizada e brutal.
Mensagens interceptadas revelam ordens diretas de chefes locais como Edgard Alves de Andrade, o Doca â tambĂ©m chamado de Urso â e Pedro Paulo Guedes, o Pedro Bala, apontados como lĂderes mĂĄximos do trĂĄfico no Complexo da Penha e comunidades vizinhas.
Em uma das conversas, o recado Ă© explĂcito:
âNinguĂ©m dĂĄ tiro sem ordem do Doca ou do Bala.â
Outra troca de mensagens exibe relatos de tortura e puniçÔes contra moradores considerados âproblemĂĄticosâ.
Uma das fotos anexadas Ă  denĂșncia mostra uma mulher dentro de um compartimento com gelo, com expressĂŁo de dor.
Em outro registro, um homem aparece sendo espancado no chĂŁo, sob risadas dos criminosos.
Os investigadores tambĂ©m tiveram acesso a um vĂdeo em que um morador Ă© arrastado por um carro, amordaçado e algemado, enquanto Ă© forçado a confessar suposta colaboração com um grupo rival.
âO traficante faz piada do sofrimento da vĂtimaâ, descreve o relatĂłrio.
O material estava sendo transmitido em tempo real, com Carlos Costa Neves, o Gardenal â identificado nos grupos como âDeusâ â acompanhando a cena por chamada de vĂdeo.
đ« Facção expandiu domĂnio e impĂŽs âleis prĂłpriasâ
As provas foram usadas para embasar a megaoperação policial deflagrada na terça-feira (28) nos complexos da Penha e do AlemĂŁo, que resultou em 121 mortos, incluindo quatro policiais.
O documento de 74 pĂĄginas revela que o CV mantĂ©m uma cadeia de comando rĂgida, com ordens, puniçÔes e controle total sobre o territĂłrio.
Segundo os promotores, o grupo expandiu suas ĂĄreas de influĂȘncia sobre comunidades antes dominadas por milĂcias, especialmente na Zona Oeste, em uma guerra que jĂĄ dura trĂȘs anos e deixou dezenas de mortos.
A investigação tambĂ©m cita Juan Breno Malta Ramos, o BMW, apontado como gerente do trĂĄfico na GardĂȘnia Azul, comunidade tomada do controle miliciano. Ele Ă© descrito como um dos lĂderes do grupo âSombraâ, responsĂĄvel por executar rivais e punir moradores que descumpram as regras da facção.
âEsses lĂderes atuam como um governo paralelo, controlando territĂłrios, punindo, torturando e matando com total autonomiaâ, afirma um trecho da denĂșncia.
đ° Lavagem de dinheiro e uso de escolas como escudo
AlĂ©m do trĂĄfico e da violĂȘncia, o MP identificou lavagem de dinheiro por meio de empresas de fachada e o uso de cĂąmeras e sensores de movimento para vigiar comunidades como a Penha e a GardĂȘnia Azul.
As investigaçÔes revelam ainda que os criminosos instalam postos armados prĂłximos a escolas, numa estratĂ©gia para dificultar operaçÔes policiais.
Em dias de incursĂŁo, vĂdeos de alunos em pĂąnico sĂŁo disseminados nas redes sociais para gerar comoção e interromper açÔes das forças de segurança.
đš âEstado dentro do Estadoâ
O material revela um verdadeiro Estado paralelo, com tribunais, soldados e regras prĂłprias.
âĂ uma cadeia de comando rigidamente estabelecida e cumprida, com emissĂŁo de ordens e puniçÔes severas aos descumpridoresâ, descreve o documento do MP-RJ.
Os promotores apontam que a ausĂȘncia do Estado em ĂĄreas dominadas pelo CV permite que os criminosos controlem a vida, a economia e atĂ© as relaçÔes sociais de cerca de 100 mil moradores sĂł no Complexo da Penha.

đ Contexto
A operação que resultou nas mortes foi planejada por 75 dias e tinha como objetivo cumprir 180 mandados de prisĂŁo e busca e apreensĂŁo.
O governador ClĂĄudio Castro (PL) classificou a ação como âum sucessoâ, enquanto a Defensoria PĂșblica afirma haver indĂcios de ilegalidades.
O episĂłdio reacende o debate sobre os limites das operaçÔes policiais e a força crescente do crime organizado â um poder que, segundo as provas, julga, pune e executa em nome de uma lei que nĂŁo Ă© a da Constituição, mas a da arma e do medo.
 
			 
			 
			 
			 
			