Milhares de clientes têm planos de saúde cancelados e MP investiga
Um mês após descobrir um câncer de pâncreas em estágio avançado, o cirurgião-dentista Carlos Goto, de 65 anos, recebeu em março a notícia de que seu plano de saúde seria cancelado. Situação semelhante enfrenta Aparecida Barbosa dos Santos, cujo filho de 6 anos, com uma má-formação no sistema urinário e necessitando de acompanhamento médico contínuo, teve seu contrato rescindido sob a justificativa de “estar dando prejuízo”. Norma, de 92 anos e cardiopata, foi surpreendida com o cancelamento de seu plano, apesar de pagar uma mensalidade de R$ 24 mil.
Esses casos ilustram uma crescente onda de cancelamentos unilaterais de planos de saúde por operadoras, afetando dezenas de milhares de clientes nos últimos meses. As empresas alegam que tais medidas são necessárias para manter a viabilidade financeira e a qualidade do serviço, diante de aumentos significativos nos custos operacionais. As operadoras garantem que os cancelamentos estão dentro da legalidade e que os clientes podem trocar de plano sem carência.
Marcos Novais, superintendente-executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), afirma que a crise financeira no setor, agravada pelos altos custos de novas tecnologias e terapias, obrigou as operadoras a cancelar contratos deficitários. Os cancelamentos são permitidos para contratos coletivos, especialmente os por adesão, que representam 6,1 milhões de brasileiros.
No entanto, a rescisão de contratos de pacientes em tratamento contínuo tem sido contestada judicialmente e por órgãos de defesa do consumidor. As operadoras Unimed Nacional e Amil lideram o número de cancelamentos, sendo alvo de investigações do Ministério Público Estadual de São Paulo. A Bradesco Saúde também está sob investigação.
Dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) indicam que o número de clientes com contratos cancelados nessas operadoras pode ultrapassar 80 mil. Amil informou que as rescisões representam 1% de sua carteira de 3 milhões de clientes, cerca de 30 mil beneficiários. Unimed e Bradesco não divulgaram números, mas houve uma redução significativa de clientes nos últimos 12 meses.
O aumento das queixas na ANS sobre cancelamentos unilaterais foi de 37% em 2023, com 15.279 reclamações, e continua crescendo em 2024. Parlamentares e órgãos de defesa do consumidor têm pressionado por maior regulação e transparência nas rescisões. Audiências públicas e projetos de lei estão sendo discutidos para reformar a legislação de planos de saúde, buscando proteger melhor os consumidores.
As operadoras negam a prática de seleção de risco e afirmam que os cancelamentos são feitos em bloco, não individualmente. Alegam ainda que o déficit operacional é insustentável e que, mesmo com lucro líquido registrado, a operação dos planos médicos está no vermelho.
Os cancelamentos têm gerado forte reação judicial. A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de 2022 estabeleceu que operadoras devem garantir a continuidade do tratamento até a alta do paciente, desde que este arque com os custos. No entanto, as operadoras defendem que isso se aplica apenas a casos agudos, enquanto advogados argumentam que inclui tratamentos prolongados.
A ANS reforça que cancelamentos de planos coletivos são permitidos, mas os beneficiários têm direito à portabilidade de carências. A agência diz que está atenta às práticas das operadoras e que medidas de proteção ao consumidor são fundamentais.
Com a pressão pública e legal crescente, o setor de saúde suplementar enfrenta um momento crítico, exigindo ajustes para equilibrar sustentabilidade financeira e respeito aos direitos dos beneficiários.