Projeto aprovado na Câmara transforma gratificações em “indenizações” e permite salários acima do teto constitucional
Um projeto de lei que tramita atualmente no Senado pode consolidar e ampliar um dos maiores privilégios do funcionalismo público: os supersalários no Judiciário. De acordo com uma nota técnica inédita das ONGs Transparência Brasil e República.org, o PL nº 2.721/2021, aprovado na Câmara dos Deputados, institucionalizaria R$ 7,1 bilhões em penduricalhos hoje pagos a juízes e desembargadores em todo o país.
Na prática, o texto transforma vantagens salariais atualmente irregulares em benefícios legais, com a classificação de verbas indenizatórias — o que permite driblar o teto constitucional e escapar da tributação do Imposto de Renda.
“Em vez de solucionar o problema dos supersalários, o projeto agravará ainda mais a situação”, alerta o documento, que será divulgado nesta quarta-feira (5).
⚖️ Como funciona a manobra
A distinção entre o que é remuneração e o que é indenização é a chave do problema:
Remuneratório: faz parte do salário, integra o teto constitucional e é tributado.
Indenizatório: serve para cobrir supostas despesas do servidor, não entra no salário e pode ultrapassar o tetosem ser tributado.
Hoje, essa brecha é usada de forma sistemática por tribunais para superar o limite salarial de ministros do STF, o teto do funcionalismo público. Segundo a nota técnica, 9 em cada 10 juízes já recebem acima do teto, graças a essa distorção.
📊 O que o projeto muda
O artigo 2º do PL lista 32 tipos de verbas que passariam a ser oficialmente tratadas como indenizatórias. As organizações identificaram 19 delas já em uso nos tribunais.
Entre os principais exemplos:
Auxílio-alimentação
Auxílio-moradia
Abono de permanência (para quem poderia se aposentar, mas continua trabalhando)
Gratificações por acúmulo de função ou licença compensatória
Com a aprovação da lei, esses valores ficariam legalmente fora do teto constitucional e isentos de IR, institucionalizando um sistema já criticado por órgãos de controle e pela sociedade civil.
🚨 Licença compensatória: o campeão dos abusos
Entre os chamados penduricalhos, um se destaca: a licença compensatória. A verba, que deveria ser usada para compensar sobrecargas eventuais de trabalho, tem sido usada para aumentar salários em até um terço, segundo levantamento do UOL citado na nota.
Em 2024, o Judiciário gastou R$ 1,24 bilhão apenas com esse benefício.
“A licença compensatória tornou-se um dos penduricalhos mais nocivos para a administração pública”, afirma a nota. “O mecanismo vem sendo replicado em Defensorias Públicas, Tribunais de Contas e até no Senado Federal.”
A manobra mais comum é transformar gratificações por trabalho acumulado em dias de folga e, posteriormente, indenizações em dinheiro — burlando o teto salarial.
⚠️ Alerta final: risco de legalizar privilégios
Para as entidades que assinam o estudo, o PL 2.721/2021 representa uma ameaça à transparência, ao controle de gastos e à credibilidade das instituições públicas. Elas recomendam que o Senado rejeite o projeto, sob pena de perpetuar abusos já identificados como ilegais ou questionáveis.
“A proposta não enfrenta o problema. Pelo contrário: legaliza práticas que deveriam ser combatidas.”