Governo empresta aviões da FAB ao STF e impõe sigilo de 5 anos sobre passageiros

Ministros do Supremo realizaram ao menos 154 voos desde 2023 em aeronaves oficiais. Governo alega risco à segurança; especialistas contestam sigilo.
Desde 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) passou a usar aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB) com frequência crescente — e sob sigilo. A lista de passageiros desses voos, que antes incluía apenas o presidente da corte, agora engloba outros ministros e ficará protegida por cinco anos, segundo decisão do Ministério da Justiça.
Levantamento feito com base na Lei de Acesso à Informação (LAI) e dados públicos da FAB revela que os ministros do STF realizaram pelo menos 154 viagens em aviões oficiais entre janeiro de 2023 e fevereiro de 2025. A maioria das rotas tem como destino Brasília e São Paulo.
Entre os passageiros mais frequentes está Alexandre de Moraes, relator de processos envolvendo aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro. Moraes, que vive em São Paulo e leciona na USP, também utilizou aeronaves oficiais para compromissos pessoais, como na véspera da final do Campeonato Paulista, no qual esteve no estádio acompanhando o Corinthians.
Desde os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, o governo Lula afirma que ameaças à integridade dos ministrosjustificam a ampliação do uso da FAB e o sigilo prolongado. Segundo o STF, os voos são autorizados com base em análises técnicas de segurança institucional.
🔒 Sigilo ampliado por aval do TCU
A brecha legal que permite voos para autoridades fora da lista oficial foi escancarada por um parecer do Tribunal de Contas da União (TCU), em abril de 2024. O documento autoriza a manutenção de sigilo sobre passageiros de voos da FAB por “razões de segurança”.
Com isso, voos solicitados por ministros do STF passaram a ser registrados apenas como “à disposição” do Ministério da Defesa, sem menção ao nome dos passageiros. A FAB mantém parte das informações em seu portal, mas cabe a cada órgão decidir o que revelar.
Desde que assumiu a presidência do STF, em setembro de 2023, Luís Roberto Barroso já fez 215 viagens com aeronaves da FAB. Em 2024, foi a autoridade que mais utilizou os aviões da Força — 143 deslocamentos em um único ano.
Outros ministros também aparecem nos registros, mas com menos frequência: Cármen Lúcia (10 voos), Cristiano Zanin (3), Gilmar Mendes (2) e Moraes (1). Em alguns desses deslocamentos, as esposas dos magistrados também estavam a bordo.
🔍 Segurança ou falta de transparência?
Entidades que monitoram o uso de recursos públicos questionam a legalidade do sigilo em voos já realizados. Para Marina Atoji, diretora da Transparência Brasil, a justificativa de segurança só é válida antes da viagem, e não após sua conclusão.
“A população tem o direito de saber como está sendo utilizado um recurso público. O uso de aviões da FAB deve ser transparente, principalmente quando se trata de autoridades fora da lista de prerrogativas”, afirma.
Bruno Morassutti, da organização Fiquem Sabendo, alerta que o sigilo pode abrir margem para abusos: “É preciso avaliar se a proteção realmente aumenta a segurança ou se apenas dificulta o controle social.”
🛫 Mudança no protocolo
Até março de 2024, os pedidos de voos para ministros do STF eram intermediados pelo Ministério da Justiça. A partir de abril daquele ano, o próprio Supremo passou a acionar diretamente o governo. Ainda assim, a responsabilidade formal aparece como do Ministério da Defesa nos relatórios da FAB.
Em nota, a Defesa não se manifestou. O STF, por sua vez, reforçou que segue “rigorosamente” a legislação e que o objetivo principal é garantir a segurança dos magistrados. O Ministério da Justiça acrescentou que o sigilo de cinco anos visa proteger os ministros de “gravíssimas ameaças”, e orienta que as viagens institucionais ocorram preferencialmente por meio da FAB.