Governo Lula “turbinou” dados e inflou número de escolas com internet adequada

Do Estadão

MEC ignora medidor oficial e usa dados autodeclarados para apresentar cenário mais positivo da conectividade escolar. Levantamento mostra que mais de 15 mil escolas são classificadas como conectadas, mesmo com internet abaixo do mínimo.

No papel, a Escola Irmã Maria Regina Velanes Regis, no Distrito Federal, tem internet “adequada”. Na prática, o laboratório de informática está desativado, os computadores acumulam poeira num depósito, e os alunos recorrem à lan house, à lanchonete ou ao sinal de celular para fazer trabalhos escolares.

“A gente tem que pegar internet no celular ou pedir à tia da cantina”, conta Samy da Silva, de 18 anos. “Às vezes precisa subir na cadeira pra conseguir sinal.”

Mesmo com conexão instável, a escola aparece na lista do Ministério da Educação (MEC) como uma das que têm rede em conformidade com os padrões exigidos. O caso é apenas um exemplo de um problema muito maior.

Levantamento feito pelo Estadão mostra que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva inflou os dados sobre a qualidade da internet nas escolas públicas. O ministério considera como “adequadas” mais de 15 mil unidades de ensino cuja velocidade medida oficialmente está abaixo do mínimo necessário para uso pedagógico. A manobra ocorre porque o MEC opta por ignorar o Medidor Educação Conectada — ferramenta oficial criada para aferir a qualidade da rede — e adota dados de outras fontes, muitas vezes baseados em simples autodeclaração.

Medidor é ignorado

Segundo o MEC, 60% das escolas públicas têm conexão adequada à educação. Mas quando se considera apenas os dados do medidor oficial, esse número cai para 49,2%. Já as unidades com internet ruim saltam de 25% para 36,1%.

A distorção ocorre porque o governo mistura cinco fontes distintas de dados — incluindo declarações de gestores escolares e secretarias estaduais — para definir a qualidade da internet nas escolas. Em vez de se basear exclusivamente no medidor técnico, como exige resolução do Comitê Executivo da Estratégia Nacional de Escolas Conectadas (Cenec), o MEC inclui informações sem verificação técnica de velocidade real.

Um exemplo é a própria Escola Irmã Maria Regina, onde a velocidade mínima exigida seria de 431 megabits por segundo (Mbps). O medidor oficial aponta apenas 61 Mbps. Ainda assim, o MEC afirma que a escola possui 800 Mbps.

Dados revelam cenário oculto

Dos 137,9 mil colégios públicos do País, 67.813 têm conexão adequada segundo o medidor oficial. Isso é bem menos do que os 83.217 apontados pelo MEC. A diferença de 15.404 escolas representa instituições onde o ministério ignora seu próprio instrumento de avaliação para inflar o desempenho da política pública.

A manobra atinge todos os Estados. Só em São Paulo, são 1.885 escolas com internet abaixo do mínimo exigido, mas consideradas “adequadas” pelo governo. No Paraná, são 1.297, e em Minas Gerais, 1.288.

Conexão virou vitrine política

A universalização da internet nas escolas é uma das vitrines do governo Lula. A meta é conectar todas as unidades até o fim de 2026, com investimento previsto de R$ 8,8 bilhões. Em 2023, o presidente chegou a reunir os ministros Camilo Santana (Educação) e Juscelino Filho (Comunicações) para unificar esforços nesse sentido.

Mas especialistas veem falhas na execução. “Há uma desarticulação evidente nas políticas para uso educacional da internet”, afirma Paloma Rocillo, diretora do Instituto de Referência em Internet e Sociedade e conselheira da Anatel. “Não basta estar conectado. É preciso qualidade e uso pedagógico.”

Ela ressalta que a exclusão digital nas escolas representa também uma exclusão social. “Em pleno 2025, há alunos usando inteligência artificial para aprender melhor, enquanto outros precisam subir na cadeira para ter sinal de internet.”

MEC responde e admite falhas

Questionado, o MEC afirmou que o medidor oficial é apenas uma das fontes usadas e que há dificuldades técnicas para sua aplicação, como a desinstalação do software por parte das escolas. Por isso, o governo decidiu complementar os dados com outras fontes — o que não é previsto na regra atual.

Em dezembro, a pasta lançou um novo critério de avaliação, o Indicador Escolas Conectadas, que classifica a conectividade com notas de 1 a 5. Só as escolas com nota 4 ou 5 são consideradas adequadas, mas os dados desse indicador ainda não foram divulgados.

O ministério também reconheceu obstáculos estruturais como falta de energia e infraestrutura precária, mas reafirmou a meta de conectar todas as escolas com qualidade até 2026.

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