Câmara desafia STF e aprova projeto que tenta travar processo por golpe contra Bolsonaro e aliados

Texto susta ação penal contra Alexandre Ramagem, mas redação genérica pode beneficiar todos os 34 réus; Supremo sinaliza que não reconhecerá decisão dos deputados

Em um movimento que agrava a tensão entre os Poderes, a Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira, 7, um projeto que tenta suspender o processo penal contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado. A proposta, no entanto, tem redação genérica e pode estender os efeitos da decisão a outros 33 acusados — entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

O texto foi aprovado por 315 votos a favor e 143 contra, com amplo apoio de partidos do Centrão e da oposição. A última palavra, porém, será do próprio STF, que já indicou que não aceitará a decisão da Câmara por considerá-la inconstitucional.

A proposta se baseia em um dispositivo da Constituição que permite ao Congresso suspender ações penais contra parlamentares por atos praticados após a diplomação. O problema: o projeto, apresentado pelo PL, não restringe a suspensão ao caso de Ramagem, e sim ao conjunto da denúncia que tramita no STF — uma estratégia considerada, por juristas e ministros do Supremo, como uma tentativa de blindar também Bolsonaro e demais aliados.

“Fica sustado o andamento da Ação Penal contida na Petição n. 12.100, em curso no Supremo Tribunal Federal, em relação a todos os crimes imputados”, diz o parágrafo único do texto aprovado.

A ação penal mencionada inclui acusações contra Bolsonaro, Ramagem e outros 32 réus por suposta tentativa de golpe para reverter o resultado das eleições de 2022. A Procuradoria-Geral da República (PGR) acusa o grupo de integrar um “núcleo crucial” da trama golpista.

Crítica aberta ao STF

Durante os debates, o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), criticou a manobra e disse que o projeto tenta anular a atuação do Supremo no caso mais grave da história democrática recente.

“Aprovar isso aqui é levar a Câmara para a irrelevância institucional. Isso será desconsiderado pelo STF porque fere a Constituição”, afirmou.

O relator do projeto, deputado Alfredo Gaspar (União-AL), contestou essa visão. Disse que, como a denúncia da PGR unifica os réus, a decisão da Câmara deveria valer para todos os envolvidos.

“Quem colocou todo mundo no mesmo vagão foi o Ministério Público. Se quisessem tratamento diferente para Ramagem, que fizessem denúncias separadas”, argumentou Gaspar, aliado do ex-presidente.

STF já sinalizou limites

A interpretação de Gaspar colide com um parecer do STF enviado à Câmara no final de abril. O ministro Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma, afirmou que apenas dois dos cinco crimes atribuídos a Ramagem poderiam ser alvo de sustação parlamentar, por terem ocorrido após a diplomação do deputado, em dezembro de 2022.

Os demais — entre eles tentativa de golpe e abolição violenta do Estado Democrático de Direito — teriam ocorrido antes disso, o que retira da Câmara a prerrogativa de interferir no processo, segundo o STF.

Crimes e acusações contra Ramagem e Bolsonaro

A denúncia aceita pelo Supremo sustenta que Ramagem, então chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), atuou para dar sustentação institucional ao plano golpista de Bolsonaro. Ele teria ajudado a deslegitimar as urnas eletrônicas e promovido campanhas de desinformação contra adversários e ministros da Corte.

Os cinco crimes imputados aos réus são:

  • Tentativa de golpe de Estado
  • Abolição violenta do Estado Democrático de Direito
  • Organização criminosa
  • Dano qualificado
  • Deterioração de patrimônio público tombado

As penas combinadas podem ultrapassar 43 anos de prisão.

A Polícia Federal aponta Ramagem como conselheiro próximo de Bolsonaro e autor de articulações contra o STF. Sua defesa nega envolvimento e classifica as provas como frágeis.

Constituição como escudo

O PL alega que todos os crimes atribuídos a Ramagem ocorreram após sua diplomação, usando os ataques de 8 de Janeiro como marco. O partido sustenta que, por isso, a Câmara tem o direito de sustar o processo — tese rejeitada por ministros do STF e especialistas em direito constitucional.

“A Câmara não pode travar ação penal de corréus que não são parlamentares. Isso já foi pacificado pelo Supremo”, afirma Wallace Corbo, professor da UERJ.

Apesar da ofensiva do Congresso, a tendência é que o Supremo mantenha o curso normal do julgamento, o que pode gerar mais uma crise institucional.

📌 Principais destaques da reportagem

  • Câmara aprova trancamento da ação penal: Por 315 votos a 143, a Câmara dos Deputados aprovou projeto que tenta suspender o processo por tentativa de golpe contra Alexandre Ramagem, Jair Bolsonaro e outros 32 acusados.
  • Texto com redação genérica beneficia Bolsonaro: A proposta aprovada diz que fica “sustado o andamento da Ação Penal […] em relação a todos os crimes imputados”, o que estende os efeitos para além de Ramagem.
  • Relator admite intenção de barrar julgamento coletivo: O deputado Alfredo Gaspar (União-AL) afirmou que o projeto suspende a ação de todos os acusados, porque a denúncia foi feita de forma conjunta pelo Ministério Público.
  • STF já se manifestou contra: O ministro Cristiano Zanin, do Supremo, afirmou que só seria possível suspender a ação em relação a dois dos cinco crimes atribuídos a Ramagem — e que só ele, como parlamentar, poderia ser beneficiado.
  • Governistas criticam tentativa de blindagem: Deputados da base do governo Lula acusaram a oposição de tentar “livrar” Bolsonaro do julgamento no STF.

⚠️ Consequências da decisão da Câmara

  1. Conflito institucional com o STF
    A aprovação do projeto deve aprofundar a tensão entre o Legislativo e o Judiciário. O Supremo já indicou que deve ignorar a decisão, por considerá-la inconstitucional.
  2. Crise política e jurídica
    Caso o STF mantenha o processo, a Câmara poderá reagir, agravando uma crise entre os Poderes. Há risco de judicialização da decisão parlamentar.
  3. Tentativa de blindagem a Bolsonaro e aliados
    A proposta pode ser interpretada como uma manobra para proteger Bolsonaro e outros investigados, o que tem repercussão política direta no debate público e nas eleições.
  4. Precedente perigoso
    Juristas alertam que permitir que o Congresso trave ações penais de forma ampla, incluindo não parlamentares, abre brecha para impunidade e enfraquece o sistema de freios e contrapesos.
  5. Supremo pode invalidar o projeto
    O STF pode declarar o projeto inconstitucional caso seja provocado — e isso pode gerar uma nova disputa política sobre os limites da atuação do Legislativo.

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