“Bomba-relógio da Previdência”: déficit explode em estados e municípios, e nova PEC quer impor regras mais duras

A decisão do Congresso de deixar estados e municípios fora da reforma da Previdência aprovada em 2019 abriu caminho para uma colcha de retalhos legislativa que, cinco anos depois, aprofunda o rombo nas contas públicas regionais.
Segundo levantamento do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), seis estados e 1.356 municípios com regimes próprios de Previdência ainda não fizeram qualquer alteração nas regras de aposentadoria e pensão — o que representa dois terços do total.
A disparada nos gastos reacendeu a pressão de entidades municipalistas para aprovar uma nova PEC (proposta de emenda à Constituição) que vincule os entes subnacionais às regras federais mais duras. “Vamos lutar pela reinclusão. Isso é moralizante”, diz Paulo Ziulkoski, presidente da CNM (Confederação Nacional dos Municípios).
Enquanto a União ainda é responsável pela maior fatia dos gastos previdenciários, as despesas de estados e municípios cresceram acima da inflação. Em 2024, os estados desembolsaram R$ 74,7 bilhões por trimestre, alta real de 6% em relação a 2019. Nos municípios, o gasto médio trimestral chegou a R$ 25 bilhões — salto de 19,3% no mesmo período.
Até mesmo estados que copiaram as normas federais, como São Paulo e Paraná, viram seus déficits crescerem. O rombo total dos regimes estaduais chegou a R$ 145,6 bilhões em 2023.
Para Rogério Nagamine, pesquisador do Ipea e ex-subsecretário do RGPS, o Congresso cometeu um erro ao permitir que estados e municípios tivessem regras próprias. “Foi um retrocesso. O resultado é essa bagunça de normas, geralmente mais brandas”, critica.
A pressão é ainda maior nos pequenos municípios, onde vereadores sofrem forte influência direta de servidores públicos. “É diferente de um deputado federal. A resistência política é enorme”, explica Leonardo Rolim, ex-presidente do INSS.
Para contornar o impasse, os municípios articulam a PEC 66, que prevê um prazo de 18 meses para aprovação das reformas locais. Caso contrário, as cidades passariam a seguir automaticamente as regras da União.
A proposta original incluía também os estados, mas o trecho foi retirado pela CCJ da Câmara com apoio do PT, PL e centrão — atendendo a pressões de categorias como juízes, promotores e policiais civis.
A PEC será debatida em comissão especial na Câmara a partir de maio. O relator, deputado Baleia Rossi (MDB-SP), afirmou que ainda vai ouvir entidades municipalistas e que o tema será “prioritário”.
A urgência é reforçada pelo risco de o STF (Supremo Tribunal Federal) derrubar um dispositivo da reforma de 2019 que permite cobrar contribuição previdenciária de aposentados que ganham mais de um salário mínimo. Se isso ocorrer, estados e municípios terão que cobrir mais uma parcela do déficit com outras receitas. Só a cidade de São Paulo pode perder cerca de R$ 1 bilhão por ano.
“Por que toda a sociedade tem que arcar com o déficit? O aposentado também é beneficiário direto. É justo que contribua”, defende Rolim.
INSS: mais de 19 milhões estão fora
Além dos regimes próprios, a Previdência enfrenta um segundo desafio: a exclusão de milhões de trabalhadores autônomos e informais. Segundo estudo de Nagamine, 19,5 milhões não contribuem ao INSS — o que significa que não terão acesso a aposentadoria nem a benefícios como auxílio-doença, pensão por morte e salário-maternidade.
O recolhimento pode ser feito por carnê ou aplicativo, e há planos reduzidos para inscritos no Cadastro Único. Especialistas alertam que o planejamento previdenciário, inclusive com formalização de união estável, é essencial para garantir os direitos no futuro.
Com o envelhecimento acelerado da população, o Brasil se aproxima de um ponto crítico. Como resumiu o presidente do TCU, Bruno Dantas: “A Previdência é uma bomba que não vai parar de explodir.”