Bufê que recebeu verba de sindicato investigado por fraude no INSS está fechado e só tem cartaz na porta
Polícia Federal suspeita que empresa recebeu parte de R$ 2 bilhões desviados de aposentados; dono tem duas firmas no mesmo endereço e movimentações financeiras são consideradas atípicas

BRASÍLIA — Um bufê que recebeu quase R$ 740 mil de um sindicato investigado por fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) está com as portas fechadas em Brasília e exibe apenas um cartaz com telefone na entrada. A Polícia Federal suspeita que o estabelecimento esteja envolvido no desvio de verbas oriundas de descontos indevidos em aposentadorias e pensões.
O repasse foi feito pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), uma das entidades apontadas por supostamente operar esquemas de descontos não autorizados sobre benefícios previdenciários. Em nota, a Contag nega qualquer irregularidade e afirma ter alertado o próprio INSS sobre cobranças indevidas (leia abaixo). A defesa do bufê Tuttano Culinária Artesanal LTDA não se manifestou.
O caso levou à queda do ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, e do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, além do afastamento de outros dirigentes da pasta. A PF apura crimes como lavagem de dinheiro, fraude, e pagamento de propina a servidores públicos.
Bufê milionário sem atividade visível
Segundo relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), a Tuttano recebeu R$ 737,9 mil da Contag entre 2021 e 2024. A empresa, registrada como fornecedora de serviços de alimentação, foi criada no mesmo período em que o sindicato viu seu faturamento disparar com os repasses automáticos descontados da folha dos beneficiários do INSS.
Na última quarta-feira (30), a reportagem esteve na sede da Tuttano, no Núcleo Bandeirante, a poucos quilômetros da sede da Contag. O local estava fechado, com uma porta metálica cerrada. Apenas um papel com o nome da empresa e um número de telefone estavam afixados. Ao ligar para o contato, os responsáveis indicaram o nome de um advogado, que não retornou até a publicação desta matéria.
Moradores da região disseram que o local não tem atendimento ao público nem rotina de funcionamento visível, apenas movimentação esporádica de pessoas retirando equipamentos e materiais.
Empresas do mesmo dono, no mesmo lugar
De acordo com a PF, a Tuttano está registrada no nome do filho de André Guimarães, apontado como o verdadeiro proprietário. No mesmo endereço, funciona — também fechada — a Inovah Locação de Materiais, Buffet e Organização de Eventos EIRELI, outra empresa do ramo de festas ligada a Guimarães. Ambas operam sob o nome fantasia André Gourmet Buffet e utilizam os mesmos contatos telefônicos e de e-mail.
Nas redes sociais, há registros de eventos organizados pela marca, mas a última publicação ocorreu em janeiro de 2024.
Suspeitas de lavagem e repasses em cadeia
Durante buscas realizadas pela PF, foi constatada a ausência de funcionamento real do bufê no endereço cadastrado. Além disso, os investigadores rastrearam a redistribuição dos valores recebidos pela Tuttano para ao menos 10 outras pessoas e empresas — entre elas, um professor da rede pública que recebeu R$ 840 mil e uma pessoa com renda mensal de R$ 1,7 mil, que recebeu R$ 172 mil.
A própria Tuttano ainda transferiu R$ 453 mil de volta para a Contag, reforçando a suspeita de que a empresa era usada para movimentações de retorno ao sindicato.
As transações também levantaram alertas no Coaf. Embora tenha declarado um faturamento de apenas R$ 101 mil, a Tuttano movimentou mais de R$ 2 milhões apenas entre agosto e setembro de 2023, com saques em espécie que dificultam o rastreamento dos recursos.
R$ 2 bilhões de aposentados sob suspeita
Entre 2019 e 2024, a Contag arrecadou cerca de R$ 2 bilhões com a cobrança de mensalidades sobre 1,3 milhão de aposentados e pensionistas. Segundo a Controladoria-Geral da União (CGU), a maior parte dessas cobranças não foi autorizada pelos beneficiários, o que caracteriza retenção indevida e possível crime contra a administração pública.
A Polícia Federal e o Ministério Público Federal investigam o possível enriquecimento ilícito de dirigentes sindicais e empresários envolvidos no esquema.
O que diz a Contag
Em nota enviada à imprensa, a Contag negou qualquer envolvimento em irregularidades. Segundo a entidade, foram feitos alertas ao INSS sobre falhas nos sistemas de descontos:
“A Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) vem a público informar que não praticou nenhuma irregularidade em relação ao processamento de descontos de mensalidades associativas nos benefícios previdenciários. Inclusive, a Contag denunciou ao INSS, por duas vezes, descontos indevidos e práticas abusivas contra aposentados e pensionistas rurais.”
🔎 Resumo da Investigação
- Bufê em Brasília recebeu R$ 737,9 mil de um sindicato suspeito de fraude com aposentadorias.
- Empresa funciona em endereço fechado, sem atendimento ao público, com apenas um cartaz na porta.
- A Polícia Federal suspeita de lavagem de dinheiro e desvio de recursos da folha de pagamento do INSS.
💸 Dinheiro de aposentados
- A Contag, entidade sindical rural, teria arrecadado R$ 2 bilhões entre 2019 e 2024 com descontos em benefícios de aposentados — muitos sem autorização.
- Os recursos foram distribuídos a empresas e pessoas físicas sem justificativa plausível.
🏢 Empresa de fachada?
- Bufê Tuttano Culinária Artesanal foi aberto em 2021, no auge dos repasses da Contag.
- Relatório da PF aponta movimentação de mais de R$ 2 milhões em apenas dois meses, mesmo com faturamento declarado de R$ 101 mil.
- Funcionamento do negócio é considerado incompatível com os valores movimentados.
🧾 Transferências suspeitas
- Empresa repassou R$ 453 mil de volta à Contag.
- Outros repasses foram feitos a pessoas com renda incompatível, incluindo um professor e uma mulher com salário de R$ 1,7 mil.
⚠️ Crise no governo
- Escândalo provocou a queda do ministro da Previdência, Carlos Lupi, e do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto.
📢 Posição da Contag
- Sindicato nega irregularidades e afirma ter alertado o INSS sobre práticas abusivas contra aposentados.