Estudo Revela que Metade das Famílias do Bolsa Família Abandona Mercado de Trabalho

Pesquisa da FGV aponta queda de 11% na participação laboral após ampliação do benefício para R$ 670. Impacto concentra-se em jovens homens de 14 a 30 anos no Norte e Nordeste, com consequências de longo prazo para produtividade e renda futura.

Um estudo inédito do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) revela um efeito colateral significativo do Bolsa Família: a cada duas famílias beneficiárias, uma deixa completamente o mercado de trabalho. A pesquisa, conduzida pelo economista Daniel Duque, analisou os impactos da ampliação do programa após o valor médio do benefício saltar para cerca de R$ 670 em 2023.

Impacto Quantificado no Mercado de Trabalho

Redução na Participação Laboral

Entre as pessoas elegíveis ao Bolsa Família, a taxa de participação no mercado de trabalho caiu 11% comparado ao grupo não elegível ao benefício. Os dados mostram ainda que:

  • Chances de estar ocupado: redução de 12%
  • Probabilidade de emprego formal: queda de 13%
  • Perfil mais afetado: homens jovens de 14 a 30 anos
  • Regiões mais impactadas: Norte e Nordeste

Por Que o Emprego Formal é Evitado?

“O governo tem acesso às informações de emprego formal, diferentemente das ocupações informais. Evitar um emprego formal que potencialmente torne a família inelegível ao Bolsa Família é uma preocupação geral”, explica Duque.

O pesquisador destaca que, apesar das regras de desligamento gradual, “a percepção de risco sobre a renda segura do Bolsa Família pesa mais em muitos casos do que o apego à renda de um trabalho formal”.

Consequências de Longo Prazo Preocupam Especialistas

Impacto no Capital Humano

O estudo revela consequências que vão além da perda de renda imediata. Segundo Duque, adiar a entrada no mercado de trabalho formal pode reduzir a renda futura em cerca de 10%.

“O primeiro emprego dos jovens é uma das experiências mais importantes para a trajetória de renda ao longo da vida. O adiamento reduz o aprendizado de habilidades socioemocionais, disciplina e experiência prática”, detalha o pesquisador.

Comparação Internacional Alarmante

Estudos internacionais citados pela pesquisa mostram que atrasar um ano o primeiro emprego formal tem impacto quase equivalente a perder um ano de escolaridade em termos de produtividade e salários futuros.

Por Que Norte e Nordeste Sofrem Mais?

A explicação está na relação entre o valor do benefício e os salários regionais. “A decisão de trabalhar depende do quanto se pode ganhar no mercado e fora dele. O ticket do programa aumentou bastante, especialmente nos lugares onde os salários são mais baixos”, explica Duque.

Nas regiões Norte e Nordeste, o benefício quase iguala a remuneração de mercado, tornando a opção pelo programa mais atrativa que o trabalho formal para jovens sem qualificação.

A Explosão do Programa em Números

Crescimento Exponencial

O Bolsa Família passou por uma transformação dramática em duas décadas:

2003-2019:

  • Valor médio: R$ 190
  • Famílias atendidas: 14 milhões
  • Orçamento (2017): R$ 35 bilhões

2023:

  • Valor médio: R$ 670 (aumento de 253%)
  • Famílias atendidas: 21 milhões
  • Orçamento: R$ 170 bilhões (aumento de 386%)

Reflexo na Participação Laboral

Essa expansão ajuda a explicar por que a taxa de participação no mercado de trabalho não retornou ao patamar pré-pandemia:

  • 2019 (pré-pandemia): 63,6%
  • 2020 (pandemia): 57,3%
  • 2022 (recuperação): 62,7%
  • 2023 (aumento do benefício): 61,6%
  • 2025 (atual): 62,2% (ainda 1,4 p.p. abaixo de 2019)

Propostas para Minimizar Efeitos Adversos

Integração com Educação

Daniel Duque sugere reformulações para reduzir os impactos negativos:

  1. Redução de valores para jovens sem perspectiva de estudo
  2. Reforço de transferências para mães com filhos pequenos
  3. Integração com políticas educacionais – usar o Bolsa Família para garantir renda a estudantes
  4. Ampliação do Pé-de-Meia e programas de qualificação técnica

“Não vejo por que não usar o Bolsa Família para garantir alguma renda para o estudante continuar sua etapa de ensino, inclusive no técnico. A integração com políticas ativas de emprego pode reduzir os efeitos adversos”, propõe.

Novas Regras de Transição em Vigor

Mudanças desde Junho de 2025

Para mitigar alguns problemas identificados, o Ministério do Desenvolvimento Social implementou novas regras:

Regra de Transição Graduada:

  • Famílias que ultrapassarem R$ 218 per capita podem permanecer 12 meses no programa
  • Recebem 50% do benefício se a renda não superar R$ 706 per capita
  • Limite alinhado à linha de pobreza internacional

Casos Especiais:

  • Renda estável (aposentadoria, pensão, BPC): até 2 meses de permanência
  • Pessoas com deficiência que recebem BPC: até 12 meses

Contexto e Perspectivas

Atualmente, mais de 50 milhões de pessoas são atendidas pelo Bolsa Família. O Ministério do Desenvolvimento Social informa mensalmente a saída de milhares de beneficiários por conseguirem emprego e renda incompatível com a elegibilidade.

O estudo da FGV levanta questões fundamentais sobre o desenho de políticas sociais no Brasil: como equilibrar a proteção social necessária com incentivos adequados ao trabalho e à formação de capital humano, especialmente entre os jovens.

As evidências sugerem que, sem ajustes estruturais, o programa pode estar criando uma geração de jovens com menor participação no mercado formal, comprometendo tanto sua renda futura individual quanto a produtividade econômica nacional.


Metodologia: O estudo da FGV Ibre comparou grupos elegíveis e não elegíveis ao Bolsa Família após a ampliação de 2023, controlando por características socioeconômicas e demográficas para isolar o efeito do programa sobre as decisões de participação no mercado de trabalho.

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