Jumentos Brasileiros Caminham para Extinção Total até 2030

População despencou 94% em 25 anos devido à demanda chinesa por colágeno. Especialistas alertam que espécie nordestina única pode desaparecer em cinco anos se ritmo de abates continuar.

Os companheiros históricos do povo nordestino estão desaparecendo. Entre 1999 e 2024, a população de jumentos no Brasil despencou 94%, colocando a espécie em risco iminente de extinção. Se o ritmo atual de abates continuar, os jumentos poderão estar completamente extintos do território nacional até 2030.

O alerta foi feito durante o terceiro Workshop Internacional Jumento do Brasil, realizado em junho em Maceió, com base em dados do Ministério da Agricultura e do IBGE. Entre 2018 e 2024 alone, 248 mil jumentos foram abatidos no país.

A Demanda Chinesa que Dizima uma Espécie

Por trás desta tragédia ambiental está um mercado voraz: a China demanda 4,8 milhões de peles de jumentos anualmente para produção do ejiao, produto derivado do colágeno usado na medicina tradicional chinesa há mais de 5 mil anos.

“Nem a China produz a quantidade de jumentos que utiliza”, explica Patrícia Tatemoto, doutora em Medicina Veterinária pela USP e representante da ONG The Donkey Sanctuary na América do Sul. O ejiao é utilizado para tratar problemas como menstruação irregular, anemia, insônia e impotência sexual, embora não tenha comprovação científica de eficácia.

O Início de uma Catástrofe Anunciada

A exploração comercial brasileira começou em 2016, após visita da então ministra da Agricultura Kátia Abreu à China. “Parece piada”, publicou em suas redes sociais ao descobrir a demanda chinesa por um milhão de jumentos anuais.

O problema: o Brasil nunca teve essa população. Em 2012, existiam apenas 902 mil jumentos no país, sendo 97% deles (877 mil) no Nordeste. Mesmo assim, em 2017, a Bahia passou a exportar carne e couro para a China, com meta de 200 mil unidades por ano.

O Jumento Nordestino: Tesouro Genético Ameaçado

Os jumentos ameaçados de extinção são precisamente os jegues nordestinos – uma linhagem genética exclusiva do Brasil. “É uma informação genética muito relevante para a escassez hídrica e mudanças climáticas. É uma espécie tão resiliente quanto o povo nordestino”, destaca Tatemoto.

Guardiões do Ecossistema

Chegados da África no século XVI, os jumentos se adaptaram exemplarmente ao semiárido, tornando-se verdadeiros restauradores de ecossistemas:

  • Encontram e cavam poços de água, beneficiando outras espécies
  • Controlam plantas invasoras que espécies nativas não conseguem eliminar
  • Disseminam sementes através da fauna que se beneficia da água que descobrem
  • Combatem a desertificação em áreas degradadas

“Existem artigos científicos mostrando o impacto positivo dos jumentos na Bélgica e Alemanha, fazendo gestão de recursos naturais”, exemplifica a pesquisadora.

Uma Atividade Extrativista Predatória

A diferença entre exploração sustentável e extinção está na estrutura produtiva. No Brasil, a atividade é puramente extrativista – os animais são apenas capturados e abatidos, sem cadeia de reprodução que garanta novas gerações.

Condições Desumanas

A situação se agrava pelas condições precárias:

  • Animais vendidos por R$ 1 cada
  • 20% morrem antes de chegar ao abatedouro
  • Manejo clandestino sem água, comida ou assistência veterinária
  • Três frigoríficos na Bahia com licença federal para abates

“Temos pesquisas que comprovam que a atividade não é sequer lucrativa”, critica Tatemoto.

Consequências já Visíveis em Outros Países

O Brasil segue o caminho de países africanos onde a extinção já aconteceu. A diferença é que aqui se perde uma linhagem genética única, adaptada especificamente às condições do semiárido brasileiro.

Alternativas para o Século XXI

Pierre Barnabé Escodro, professor da Universidade Federal de Alagoas, enumera usos modernos para os jumentos:

  • Agricultura familiar em locais inacessíveis a veículos
  • Recuperação do solo degradado
  • Terapias assistidas para tratamento de saúde
  • Biotecnologia aplicada ao plasma

A Corrida Contra o Tempo

Mobilização Científica e Social

A comunidade científica já alertou o governo federal. O presidente Lula recebeu ativistas cobrando medidas urgentes, mas “não conseguimos ter posicionamento do Governo Federal porque é uma questão que envolve acordos comerciais”, lamenta Pierre.

Projeto de Lei em Tramitação

Na Câmara dos Deputados, o projeto de lei 2387/2022 visa proibir o abate de equídeos (cavalos e jumentos) para comércio de carne, pele e outras partes. A proposta está em análise nas comissões de Agricultura, Meio Ambiente e Justiça.

Urgência de Um Censo Nacional

“Vemos a necessidade emergente de cessar os abates e fazer um censo fidedigno para elaborar políticas públicas de reinserção desse animal na sociedade”, defende Pierre.

Uma Perda Irreversível

A extinção dos jumentos brasileiros representará não apenas a perda de um patrimônio genético único, mas também a destruição de um elo histórico entre o povo nordestino e sua cultura. Os animais que ajudaram a construir o país, carregando famílias retirantes e sustentando a agricultura familiar, podem desaparecer definitivamente em questão de anos.

O tempo é o inimigo principal. Com apenas cinco anos para evitar a extinção total, cada mês de inação aproxima o Brasil de uma perda ambiental e cultural irreversível.


PROCURADO: O Ministério da Agricultura e Pecuária não respondeu aos questionamentos sobre medidas para preservação da espécie.

EM NÚMEROS:

  • 1999: População inicial (linha de base)
  • 2012: 902 mil jumentos no Brasil
  • 2018-2024: 248 mil jumentos abatidos
  • 2024: Redução de 94% da população
  • 2030: Extinção total prevista
  • 4,8 milhões: Demanda mundial anual de peles

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