Ministro do TCU favoreceu entidades investigadas por fraudes no INSS, à revelia de técnicos
Decisão de Aroldo Cedraz flexibilizou exigências para revalidação de descontos associativos bilionários. Ex-presidente do INSS usou acórdão para justificar liberação em massa de cobranças contestadas.
Um dispositivo incluído pelo ministro Aroldo Cedraz em acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU), contrariando a área técnica da corte, facilitou a revalidação de autorizações para descontos associativos nos benefícios de aposentados e pensionistas. As entidades favorecidas estão atualmente sob investigação da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União por envolvimento em um esquema bilionário de fraudes no INSS.
A revalidação foi criada justamente para impedir cobranças ilegais e exige, por lei, que o INSS confirme periodicamente a vontade dos beneficiários. No entanto, a decisão de Cedraz, datada de junho de 2024, permitiu que as associações substituíssem mecanismos mais seguros — como biometria ou assinatura eletrônica — por documentos simples, como cópias de autorizações, termos de filiação e documentos de identidade, enviados pelas próprias entidades.
A área técnica do TCU, que analisava o caso, não havia sequer proposto esse tipo de flexibilização para revalidações retroativas. Técnicos defendiam o uso do modelo simplificado apenas para novos cadastros, com prazo para posterior adoção da biometria. Cedraz, no entanto, estendeu a medida para todo o passivo de descontos em vigor, alegando que sua omissão poderia permitir a continuidade de cobranças indevidas.
“Se adotasse pura e simplesmente a proposta da unidade técnica, haveria o risco da manutenção de descontos indevidos”, argumentou o ministro.
A decisão foi rapidamente utilizada pelo então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, para justificar o desbloqueio em massa de descontos sem a confirmação dos segurados. Segundo a regra original, o próprio beneficiário deveria acessar o aplicativo Meu INSS e confirmar o interesse no desconto — o que, segundo as entidades, gerava dificuldades técnicas.
Diante das reclamações, Stefanutto determinou o desbloqueio automático de autorizações, ignorando a exigência de manifestação expressa dos aposentados. Em entrevista à Folha de S.Paulo, ele citou o acórdão do TCU como respaldo jurídico para a liberação. No entanto, Cedraz contestou a interpretação do ex-presidente do INSS:
“É totalmente falsa a afirmação de que o TCU autorizou o desbloqueio em lote. Pelo contrário: a cautelar proibiu qualquer desconto sem verificação da manifestação inequívoca de vontade do segurado”, afirmou o ministro.
Além da inclusão do dispositivo, o ministro também atrasou o julgamento de recursos apresentados pelas entidades investigadas, segurando o processo por quase um ano, como revelou o site Metrópoles. Com isso, postergou uma decisão definitiva sobre o modelo de revalidação — o que, segundo especialistas, favoreceu a manutenção dos descontos em massa.
As regras para revalidação passaram por diversas alterações nos últimos anos. A MP 871/2019 instituiu a obrigatoriedade anual, mas o Congresso diluiu a regra, prorrogando prazos e, posteriormente, revogando a exigência por completo em 2022, dentro da lei que criou o Programa de Simplificação do Microcrédito Digital.
Desde então, o volume de descontos autorizados cresceu exponencialmente — com milhares de aposentados relatando cobranças não solicitadas, bloqueios indevidos e dificuldades para cancelar débitos.
🕒 Linha do Tempo — Revalidação dos Descontos Associativos no INSS
🔹 Maio de 2019
➡️ MP 871/2019 é aprovada, criando a exigência de revalidação anual para autorizar descontos em folha de aposentados e pensionistas.
🔹 Dezembro de 2021
➡️ Lei aprovada pelo Congresso estende o prazo de revalidação para três anos e fixa a contagem a partir de 31 de dezembro de 2021.
🔹 2022
➡️ Nova lei revoga a obrigatoriedade de revalidação periódica, dentro do pacote do Programa de Simplificação do Microcrédito Digital.
🔹 Junho de 2024
➡️ Aroldo Cedraz inclui no acórdão do TCU um dispositivo que permite substituir biometria e assinatura eletrônica por documentos enviados pelas associações.
⚠️ A decisão é à revelia da área técnica e estende o novo modelo para revalidações retroativas.
🔹 2024 (meses seguintes)
➡️ Ex-presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, libera desbloqueios em massa de autorizações de descontos, citando o acórdão do TCU como justificativa.
🔹 Abril de 2025
➡️ PF e CGU revelam que associações envolvidas em fraudes foram beneficiadas pela flexibilização, e investigam repasses milionários a servidores.
🔹 Maio de 2025
➡️ Cedraz se defende: diz que medida visava corrigir passivo de cobranças indevidas, mas nega ter autorizado desbloqueios em lote.