O Império da Corrupção: Como R$ 146 Milhões Compraram Sentenças no STJ
Investigação revela esquema milionário de lavagem de dinheiro e compra de decisões judiciais

Uma empresa de fachada movimentou R$ 146 milhões em uma década para lavar dinheiro de um esquema criminoso que transformou o Superior Tribunal de Justiça em balcão de negócios, onde sentenças eram compradas e vendidas como mercadorias.
A Máquina de Lavar Dinheiro
A Florais Transportes, empresa sediada em Cuiabá e de propriedade exclusiva do lobista Andreson Gonçalves, funcionava como o centro nervoso de uma operação sofisticada de lavagem de dinheiro destinada a ocultar a compra de decisões judiciais no Superior Tribunal de Justiça e outros tribunais do país.
Documentos da investigação em curso no Supremo Tribunal Federal, obtidos pela Coluna do Estadão, revelam que entre 2014 e 2024 a empresa movimentou uma quantia astronômica: R$ 146 milhões, sendo R$ 72,9 milhões em créditos e R$ 73,2 milhões em débitos — uma movimentação considerada atípica pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

Dívidas com a União
Paradoxalmente, enquanto movimentava milhões em operações suspeitas, a Florais Transportes acumulava dívidas com o poder público. Registros da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional mostram que a empresa deve R$ 767 mil à União: R$ 683 mil em tributos previdenciários e R$ 84 mil em multas trabalhistas — valores que já constam da Dívida Ativa da União, sem possibilidade de contestação.
O Lobista e Sua Rede de Influência
Andreson Gonçalves, descrito pela Polícia Federal como peça central do esquema, utilizava sua empresa para operacionalizar um “verdadeiro comércio de decisões judiciais”, nas palavras do ministro Cristiano Zanin, relator do caso no STF. O lobista ficou preso por oito meses e foi solto no último dia 17, mas permanece sob monitoramento eletrônico.
“O lobista tinha função decisiva no verdadeiro comércio de decisões judiciais no Superior Tribunal de Justiça.”
— Ministro Cristiano Zanin, STF
A Florais Transportes, formalmente, declara à Receita Federal uma gama diversificada de atividades: desde transporte rodoviário de carga até locação de aeronaves sem tripulação, serviços de escritório, transporte marítimo e comércio de combustíveis. Na prática, segundo as investigações, a empresa servia como canal para repasses milionários a integrantes da organização criminosa, incluindo assessores de ministros do STJ.
INVESTIGADO
Andreson Gonçalves
Lobista e proprietário da Florais Transportes
Preso por 8 meses, solto com tornozeleira eletrônica. Acusado de ser o articulador central do esquema de compra de sentenças.
INVESTIGADO
Haroldo Augusto Filho
Empresário com vínculos no STJ
Dono da empresa Fource, patrocinava eventos jurídicos. Investigado por vínculos com ministros João Otávio de Noronha e Marco Buzzi.
O Assassinato que Desvendou Tudo
A investigação que revelou esse esquema milionário teve início de forma trágica e inesperada: o assassinato a tiros do advogado Roberto Zampieri, em Cuiabá, no final de 2023. O que poderia ter sido mais um crime sem solução tornou-se a chave para desvendar uma das maiores operações de corrupção do Judiciário brasileiro.

Descoberta do esquema no STJ
O celular de Zampieri, esquecido pelos assassinos, continha um tesouro de evidências: diálogos com desembargadores e conexões com um lobista de Brasília que se vangloriava de influenciar decisões de ministros do STJ. Nas trocas de mensagens encontradas, Andreson compartilhava minutas de decisões antecipadas dos ministros e revelava pagamentos a assessores dos magistrados.
Descoberta Crucial: O Conselho Nacional de Justiça identificou que Zampieri tinha ligações com um lobista que dizia influenciar decisões do STJ, compartilhando minutas antecipadas e fazendo pagamentos a assessores.
A Rede de Conexões no Alto Escalão
As investigações revelaram uma rede de conexões que se estendia até o mais alto escalão do Judiciário. A Polícia Federal identificou vínculos entre o empresário Haroldo Augusto Filho e pelo menos dois ministros do STJ: João Otávio de Noronha, ex-presidente da Corte, e Marco Buzzi.
Abr 2024
Viagem de Ministro: João Otávio de Noronha usa aeronave privada de Haroldo Augusto para viajar de Brasília a Cuiabá para evento da OAB-MT patrocinado pela empresa do empresário.
Investigação
Diálogos Suspeitos: PF identifica conversas entre Haroldo e Catarina Buzzi, filha do ministro Marco Buzzi, além de organização de jantares para magistrados.
Padrão
Eventos Patrocinados: Marco Buzzi participou de eventos jurídicos em Cuiabá patrocinados pela Fource, empresa de Haroldo Augusto.
Os magistrados não são formalmente investigados, mas as evidências coletadas pela PF sugerem um padrão de relacionamento próximo entre empresários e ministros que vai além do protocolar. Em uma das conversas interceptadas, Haroldo afirmou ser amigo da filha de um ministro, referindo-se aparentemente a Catarina Buzzi.
O Modus Operandi do Esquema
O esquema funcionava com sofisticação empresarial: Andreson Gonçalves atuava como intermediário entre clientes interessados em decisões favoráveis e assessores de ministros do STJ. A Florais Transportes servia como fachada para os pagamentos, criando uma aparência de legitimidade para transações milionárias.
Segundo os investigadores, o lobista não apenas prometia influenciar decisões, mas entregava resultados concretos: minutas antecipadas de acórdãos, informações privilegiadas sobre o andamento de processos e, em alguns casos, alterações no conteúdo das decisões mediante pagamento.
“A empresa de Andreson tem um papel central no esquema para lavar dinheiro e, assim, ocultar compras de sentenças judiciais no STJ e em outros tribunais.”
— Relatório da Polícia Federal
O caso evidencia não apenas a corrupção individual, mas um sistema estruturado de venda de decisões judiciais que comprometeu a credibilidade de uma das mais importantes cortes do país. A investigação continua em andamento, com a expectativa de que novos desdobramentos revelem a extensão completa desta rede de corrupção no Judiciário brasileiro.

Impactos e Desdobramentos
O caso representa um dos maiores escândalos de corrupção já revelados no Judiciário brasileiro, colocando em questão a integridade de decisões que afetaram milhares de processos e bilhões de reais em disputas judiciais. A investigação prossegue sob sigilo no STF, mas já produziu consequências significativas para o sistema de Justiça.
A descoberta do esquema levanta questões fundamentais sobre os mecanismos de controle interno dos tribunais superiores e a necessidade de reformas estruturais para prevenir a repetição de casos similares. O episódio também demonstra como investigações aparentemente desconexas — como um homicídio em Cuiabá — podem revelar redes de corrupção de alcance nacional.
Próximos Passos: A investigação continua sob a relatoria do ministro Cristiano Zanin no STF, com a expectativa de novos desenvolvimentos e possíveis denúncias formais contra os envolvidos no esquema.