Operação Sisamnes: a trama de corrupção que atinge o coração do STJ
Investigação da Polícia Federal revela esquema de vazamento de decisões, falsificação de documentos e vínculos suspeitos entre empresários e ministros

A Polícia Federal encontrou novas minutas de decisões de ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em um notebook do lobista Andreson de Oliveira Gonçalves, alvo da Operação Sisamnes. Os arquivos também estavam no celular do advogado Roberto Zampieri, assassinado em 2023.
Com a descoberta, já são oito gabinetes de ministros citados na investigação, quase um quarto da Corte. Os novos documentos envolvem os ministros Marco Buzzi, Antônio Carlos Ferreira, João Otávio de Noronha e Ricardo Villas Bôas Cueva, além de um ex-ministro. Outros quatro já eram alvo de apuração: Isabel Galotti, Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e Og Fernandes.
Apesar da gravidade, a PF afirma que não há indícios de envolvimento direto dos ministros, mas pede apuração rigorosa sobre a origem dos vazamentos. Os próprios magistrados negam qualquer participação ou favorecimento.
Segundo os investigadores, além de ter acesso a minutas semelhantes às decisões oficiais, o lobista chegou a forjar documentos do STJ para tentar atrair clientes, incluindo uma falsa decisão de prisão atribuída ao ministro Og Fernandes.
Nos próximos dias, a PF vai enviar ao ministro Cristiano Zanin, relator do caso no STF, um relatório parcial com o “volume expressivo de novas provas” e indicará a necessidade de ampliar o escopo da investigação.

A descoberta que abalou o Judiciário
O que começou como investigação de um homicídio em Cuiabá se transformou numa das mais amplas operações contra corrupção no Judiciário brasileiro. A Operação Sisamnes, deflagrada pela Polícia Federal, expôs uma complexa rede que envolve vazamento de decisões sigilosas, falsificação de documentos oficiais e suspeitos vínculos entre empresários e ministros do Superior Tribunal de Justiça.
O fio condutor dessa investigação foi o celular do advogado Roberto Zampieri, assassinado em dezembro de 2023. O que deveria ser apenas prova para elucidar o crime revelou diálogos comprometedores que indicavam a compra e venda de decisões judiciais no STJ.
Os personagens centrais da trama
O lobista e suas conexões
Andreson de Oliveira Gonçalves, o lobista no centro do esquema, mantinha em seu notebook um verdadeiro arsenal de documentos sigilosos. A PF descobriu que ele possuía minutas antecipadas de decisões de oito ministros do STJ – quase um quarto da corte, que tem 33 magistrados.
Mais grave ainda: Andreson não apenas recebia informações privilegiadas, mas também falsificava documentos oficiaispara extorquir potenciais clientes. Entre os documentos forjados estava uma falsa ordem de prisão atribuída ao ministro Og Fernandes.
O empresário e suas influências
Haroldo Augusto Filho, sócio da consultoria Fource, emerge como figura central na investigação. Especialista em comprar empresas em crise, ele desenvolveu uma estratégia sofisticada: atuar nos bastidores de processos judiciais sem aparecer formalmente nos autos.
A PF identificou vínculos suspeitos entre Haroldo e pelo menos dois ministros do STJ:
- Cedeu aeronave particular para o ministro João Otávio de Noronha
- Mantinha diálogos com familiares de ministros, incluindo a filha do ministro Marco Buzzi
As conexões familiares

A investigação revelou pagamentos significativos a parentes de ministros:
- R$ 300 mil pagos pela Fource ao escritório de Anna Carolina Noronha, filha do ministro João Otávio de Noronha
- Diálogos entre Haroldo e Catarina Buzzi, filha do ministro Marco Buzzi
O modus operandi do esquema

1. Vazamento antecipado
A PF descobriu que Andreson possuía minutas de decisões criadas antes das datas oficiais de publicação. Em um dos casos, uma minuta do ministro Marco Buzzi foi criada dois meses antes da decisão ser efetivamente proferida.
2. Falsificação estratégica
Quando não conseguia informações reais, Andreson forjava documentos usando modelos com marca d’água oficial do STJ. O objetivo era pressionar empresários a contratar os serviços advocatícios de sua esposa.
3. Influência nos bastidores
A Fource comprava empresas ou direitos em litígio e atuava indiretamente nos processos, sem aparecer como parte oficial. Essa estratégia permitia influenciar decisões sem deixar rastros evidentes.
O alcance da investigação
Ministros envolvidos
A investigação identificou vazamentos de minutas de oito gabinetes:
- Primeira fase: Isabel Gallotti, Nancy Andrighi, Og Fernandes, Moura Ribeiro
- Segunda fase: Marco Buzzi, Antônio Carlos Ferreira, João Otávio de Noronha, Ricardo Villas Bôas Cueva
Documentos comprometedores

- 47 minutas de decisões encontradas no notebook do lobista
- Documentos falsificados com marca d’água oficial do STJ
- Contratos milionários preparados para extorquir empresários
- Diálogos comprometedores entre investigados e familiares de ministros
As consequências e próximos passos
Medidas adotadas pelo STJ
- Afastamento de servidores investigados
- Abertura de sindicâncias internas
- Solicitação de investigação à Polícia Federal
Posicionamento dos ministros
Os ministros citados negaram conhecimento dos vazamentos e afirmaram que suas decisões não favoreceram os interesses dos investigados. Alguns se declararam impedidos de julgar casos relacionados aos empresários.
Ampliação da investigação
A PF indicou a existência de “volume expressivo de novas provas” e pretende ampliar o escopo da apuração. O relatório parcial entregue ao ministro Cristiano Zanin no STF aponta para conexões ainda não identificadas.

O que está em jogo
Este caso representa um dos maiores desafios à credibilidade do Judiciário brasileiro em décadas. A investigação não apenas expõe falhas de segurança no STJ, mas também levanta questões sobre a influência do poder econômico sobre decisões judiciais.
A Operação Sisamnes promete ter desdobramentos significativos, podendo resultar em:
- Reformulação dos protocolos de segurança do STJ
- Mudanças na tramitação de processos sigilosos
- Maior controle sobre vínculos entre magistrados e partes interessadas
- Possíveis responsabilizações criminais de envolvidos
O desfecho desta investigação será determinante para a restauração da confiança nas instituições judiciais e para o estabelecimento de novos padrões de transparência e probidade no Judiciário brasileiro.
A investigação segue em andamento, com novos desdobramentos esperados nos próximos meses.