‘Quentinhas invisíveis’: ONG contratada em Pernambuco informou 150 CPFs inexistentes em prestação de contas

O Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) suspendeu o contrato com a Associação da Juventude Camponesa Nordestina Terra Livre após a entidade apresentar uma prestação de contas com 150 CPFs inconsistentes. A ONG havia sido contemplada com R$ 3 milhões dentro do Programa Cozinha Solidária, iniciativa do governo federal para combater a fome.

A irregularidade foi descoberta após questionamentos do jornal O GLOBO, levando o ministério a suspender imediatamente o termo de colaboração e abrir investigação. A pasta não descarta a possibilidade de solicitar a devolução dos recursos repassados. “O MDS reitera que, constatada qualquer irregularidade quanto à utilização dos recursos públicos, serão adotadas medidas saneadoras, incluindo glosa e pedido de restituição à União, além da inabilitação das cozinhas junto ao programa”, informou o ministério, comandado por Wellington Dias.

A Terra Livre tem como vice-presidente Ana Lúcia Gusmão Brindeiro, funcionária do gabinete da deputada estadual Rosa Amorim (PT). Em nota, a ONG afirmou estar disposta a investigar qualquer suspeita de irregularidade. A deputada, por sua vez, declarou que a função de sua assessora na entidade não tem relação com o cargo que ocupa na Assembleia Legislativa.

O presidente da associação, Sandreildo José dos Santos, atribuiu o problema a um possível erro de preenchimento da lista. Dos 400 nomes enviados, ao menos 150 apresentavam CPFs inexistentes ou incompatíveis com os critérios da Receita Federal. “Trabalhamos com populações vulneráveis, como moradores de rua, que muitas vezes não têm documentação regular. Se houver indícios de fraude, iremos apurar”, afirmou.

A ONG subcontratou outras entidades para a distribuição das quentinhas em diferentes municípios pernambucanos. Uma delas, a “Uma Gota de Esperança”, foi responsável pelo fornecimento em Paulista (PE), cidade de 342 mil habitantes na Região Metropolitana do Recife. A lista com os CPFs inconsistentes foi atribuída a essa organização.

Thais de Moraes Wanderley, responsável pela “Uma Gota de Esperança”, culpou as próprias pessoas atendidas pelos erros. “Os beneficiários assinam e informam o CPF de cor. Provavelmente houve erros nesse processo”, justificou. Entretanto, a lista inclui o CPF de Jorgiana de Paula Wanderley Gomes, prima do marido de Thais, registrado com o nome de outra pessoa, Erika da Silva. Jorgiana negou ter recebido quentinhas, mas depois afirmou ter recebido uma “cesta solidária” da ONG, o que também não faz parte do programa Cozinha Solidária.

Outros cinco casos de discrepância entre os CPFs informados e os registros oficiais também foram identificados.

CASOS SIMILARES EM SÃO PAULO

As suspeitas de irregularidades no Cozinha Solidária não se limitam a Pernambuco. Como revelou O GLOBO, o Ministério do Desenvolvimento Social também contratou a associação Movimento Organizacional Vencer, Educar e Realizar (Mover Helipa) para fornecer alimentos na periferia de São Paulo. A entidade, comandada por um ex-assessor do PT, repassou recursos para ONGs ligadas a ex-integrantes de gabinetes petistas.

O contrato de R$ 5,6 milhões previa a produção e distribuição de quentinhas. No entanto, ao visitar os endereços informados, a equipe do GLOBO não encontrou sinais de funcionamento das cozinhas comunitárias. O responsável pela Mover Helipa negou ter conhecimento de qualquer irregularidade e atribuiu ao acaso a ligação das entidades subcontratadas com o PT.

Diante das suspeitas, o MDS também suspendeu o contrato da Mover Helipa e acionou a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU) para apurar o caso.

Os episódios lançam uma sombra sobre a execução do programa Cozinha Solidária e levantam questionamentos sobre a transparência no repasse de recursos para iniciativas de combate à fome.

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