“Se fizer isso, vou lhe prender”: o que disse o ex-comandante da Aeronáutica sobre Bolsonaro e a minuta do golpe ao STF
Baptista Junior relatou reuniões no Alvorada, pressão por relatório das urnas, adesão da Marinha e ameaça de prisão feita por general ao então presidente

O ex-comandante da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Junior prestou um depoimento explosivo ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (21), no inquérito que investiga uma suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. Em seu relato, ele confirmou que o então presidente Jair Bolsonaro (PL) discutiu medidas para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e disse ter ouvido de um colega uma ameaça direta de prisão ao presidente, caso ele seguisse com os planos golpistas.
Segundo Baptista Junior, os três comandantes das Forças Armadas foram chamados ao Palácio da Alvorada diversas vezes após a derrota de Bolsonaro. As reuniões giravam em torno de decretos de estado de sítio, estado de defesa e da aplicação de uma Garantia da Lei e da Ordem (GLO) — medidas constitucionais que, segundo ele, estavam sendo distorcidas com a real intenção de impedir a posse de Lula.
“A partir de certo momento, comecei a achar que o objetivo era não haver a assunção do presidente eleito. Isso me preocupou muito”, disse o brigadeiro. Ele situa esse momento entre os dias 11 e 14 de novembro de 2022.
“No dia 1º de janeiro o senhor não será presidente”
Baptista Junior relatou ter sido claro com Bolsonaro sobre a transição de poder:
“Eu falei com o presidente: aconteça o que acontecer, no dia 1º de janeiro o senhor não será presidente.”
O então comandante também relatou que, em 14 de dezembro, houve uma reunião no Ministério da Defesa em que o então ministro Paulo Sérgio Nogueira apresentou um documento suspeito. O conteúdo, segundo o brigadeiro, indicava uma tentativa de inviabilizar a posse de Lula. Ele se recusou a sequer receber o material:
“Eu falei: ‘não admito sequer receber esse documento’. Levantei e fui embora.”
General ameaçou prender Bolsonaro
Um dos trechos mais contundentes do depoimento foi o relato de que o general Freire Gomes, então comandante do Exército, teria dito a Bolsonaro que o prenderia se insistisse no plano golpista:
“Ele falou com muita calma: ‘se o senhor tiver de fazer isso, vou acabar lhe prendendo’.”
Na segunda-feira (20), em outro depoimento, Freire Gomes negou ter feito tal ameaça. Baptista Junior, porém, confirmou o episódio nesta quarta-feira, ao ser questionado por ministros do STF.
Marinha teria oferecido tropas
Baptista Junior também apontou que o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, teria adotado uma postura distinta dos demais e oferecido suas tropas ao presidente.
“Ele falou que as tropas da Marinha estariam à disposição do presidente.”
Ao ser confrontado pela defesa de Garnier, o brigadeiro reafirmou a fala e ainda citou o número de fuzileiros navais que teria sido mencionado: 14 mil homens.
Relatório das urnas e “sofismas”
O ex-chefe da Aeronáutica revelou ainda que Bolsonaro tentou usar um relatório técnico para desacreditar as eleições e pressionou pelo adiamento da divulgação de um parecer oficial do Ministério da Defesa. O documento em questão havia sido elaborado pelo Instituto Voto Legal (IVL), e embasou a ação do PL contra o resultado eleitoral no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Baptista Junior disse ter lido o material e alertado o presidente:
“Esse relatório está muito mal escrito, contém erros. Eu usei a palavra: sofismas.”
Segundo ele, o relatório oficial da Defesa foi concluído no dia 9 de novembro, mas só divulgado após o segundo turno. Ele afirmou ter ouvido que Bolsonaro interferiu para atrasar a publicação.
🔥 DESTAQUES DO DEPOIMENTO DE BAPTISTA JUNIOR AO STF
- Ameaça de prisão a Bolsonaro:
Ex-comandante do Exército, general Freire Gomes, teria dito a Bolsonaro:“Se o senhor tiver de fazer isso, vou acabar lhe prendendo.” - Tropas da Marinha à disposição:
Almirante Almir Garnier, então comandante da Marinha, teria afirmado em reunião:“As tropas da Marinha estão à disposição do presidente.” - Recusa a documento golpista:
Brigadeiro se negou a receber minuta entregue por Paulo Sérgio, ministro da Defesa:“Levantei, saí da sala e fui embora.” - Alertas a Bolsonaro sobre as urnas:
Baptista Junior disse ao presidente que não havia provas de fraude nas eleições e que o relatório apresentado pelo PL era baseado em “sofismas”. - Pressão para adiar relatório oficial:
Bolsonaro teria atuado para atrasar a divulgação do parecer do Ministério da Defesa sobre o sistema eleitoral, já pronto em 9 de novembro. - Reuniões no Alvorada após a derrota:
Comandantes foram convocados várias vezes após o segundo turno para discutir medidas de exceção, como estado de sítio e GLO. - Frase definitiva ao presidente:“Aconteça o que acontecer, no dia 1º de janeiro o senhor não será presidente.”
“Vou acabar lhe prendendo”: Depoimento de ex-comandante da Aeronáutica abala defesa de Bolsonaro no STF
Brigadeiro Baptista Junior confirma ameaça de prisão ao ex-presidente e entrega apoio explícito da Marinha à trama golpista. Ministros do Supremo classificam depoimento como “esclarecedor” e “preciso”.
O depoimento do ex-comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, prestado nesta quarta-feira (21) ao Supremo Tribunal Federal (STF), foi classificado por ministros da Corte como “esclarecedor”, “coerente” e “firme”. O militar confirmou à íntegra o conteúdo das declarações que já havia prestado à Polícia Federal, e corroborou pontos-chave da investigação sobre a tentativa de golpe após a derrota eleitoral de Jair Bolsonaro (PL) em 2022.
Fontes do STF ouvidas pelo GLOBO ressaltaram a “seriedade” da fala de Baptista Junior e destacaram que seu depoimento contrastou com o tom mais evasivo do general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, que falou à Corte na segunda-feira (20). A audiência desta quarta-feira foi considerada estratégica para reforçar a linha de responsabilização de Bolsonaro e seus aliados militares.
Entre os trechos mais contundentes, o brigadeiro confirmou ter presenciado Freire Gomes ameaçar o então presidente de prisão caso ele levasse adiante planos golpistas:
— O general Freire Gomes é uma pessoa polida, educada. Logicamente ele não falou isso com agressividade. Mas foi claro: “Se o senhor tiver que fazer isso, vou acabar lhe prendendo” — relatou Baptista Junior.
Marinha à disposição de Bolsonaro
Outro ponto explosivo do depoimento foi a revelação de que o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, teria colocado suas tropas à disposição de Bolsonaro:
— Em uma das reuniões, ele falou que as tropas da Marinha estariam à disposição do presidente — afirmou o brigadeiro.
— Eu não fiquei sabendo à toa que a Marinha tem 14 mil fuzileiros.
Segundo Baptista Junior, Garnier destoava da postura dos demais comandantes. Enquanto ele e Freire Gomes tentavam convencer Bolsonaro a abandonar a ideia de um golpe, Garnier mantinha uma atitude silenciosa e, por fim, alinhada ao ex-presidente.
— Infelizmente, o almirante Garnier não estava na mesma postura que Freire Gomes e eu — disse.
— Cheguei a dizer a ele que nada é tão prejudicial às Forças Armadas quanto a ausência de consenso.
Confronto de versões
Na segunda-feira, Freire Gomes havia minimizado as discussões com Bolsonaro, afirmando que os instrumentos de exceção — como estado de sítio, de defesa ou GLO — estavam previstos na Constituição, e que as conversas não o surpreenderam. A versão foi colocada em xeque pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, que chegou a ler em plenário trechos do depoimento anterior prestado à PF — confirmados, ali, a contragosto do general.
Já Baptista Junior foi categórico ao afirmar que as discussões no Palácio da Alvorada envolviam, sim, a tentativa de impedir a posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva:
— A partir de certo momento, percebi que o objetivo real era evitar a assunção do presidente eleito. Isso aconteceu entre os dias 11 e 14 de novembro. Fiquei muito preocupado.
Documento golpista recusado
O brigadeiro também relatou uma reunião no Ministério da Defesa, em 14 de dezembro de 2022, na qual o então ministro Paulo Sérgio Nogueira teria apresentado um documento sigiloso que sugeria a não posse de Lula.
— Perguntei se aquilo implicava a não assunção do presidente eleito. Diante do silêncio do ministro, levantei e fui embora. Eu tinha um limite.
Baptista Junior presta depoimento como testemunha na ação penal que apura a tentativa de golpe, a partir da delação do tenente-coronel Mauro Cid. Ele foi arrolado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como uma das principais fontes militares sobre os bastidores do Palácio do Planalto após a derrota eleitoral de Bolsonaro.