Supersalário de juiz supera orçamento de políticas públicas inteiras em cidades mais pobres do Brasil
Enquanto juízes recebem até R$ 111 mil por mês, municípios maranhenses e amazonenses mal conseguem bancar saúde, saneamento ou agricultura
Em meio a cidades sem saneamento, com serviços básicos precários e orçamento apertado, magistrados seguem acumulando vencimentos milionários. Em 2024, ao menos 11 juízes que atuam nos 50 municípios mais pobres do país receberam supersalários acima do teto constitucional — que, até janeiro deste ano, era de R$ 44 mil mensais.
Em casos como os dos juízes Nivana Guimarães (Icatu-MA) e Rodrigo Terças (Alcântara-MA), as remunerações chegaram a ultrapassar R$ 100 mil em um único mês. O valor que cada um recebeu ao longo do ano — R$ 634 mil e R$ 585 mil, respectivamente — supera o orçamento inteiro dessas cidades para áreas como agricultura, habitação e meio ambiente.
A realidade escancara o abismo entre a elite do funcionalismo e a população mais vulnerável do país. Enquanto os servidores do Judiciário acumulam verbas “indenizatórias” que driblam o teto salarial, moradores de cidades como Bequimão (MA), onde o PIB per capita é de R$ 6,4 mil, convivem com serviços precários. Lá, a juíza Flor de Lys Amaral chegou a receber R$ 83 mil em um mês.
No total, R$ 637 mil foram pagos acima do teto constitucional somente a esse grupo de magistrados, segundo dados oficiais divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Verbas acima do teto: legalizadas, mas questionadas
As associações de magistrados afirmam que os valores estão dentro da legalidade. A Associação dos Magistrados do Maranhão (Amma) declarou que os pagamentos se referem a verbas de caráter indenizatório, como férias e licenças não gozadas, e que estão autorizadas pelo CNJ. Um dos juízes, Rodrigo Terças, afirma que a remuneração se refere a acúmulo de funções e férias indenizadas.
Especialistas, no entanto, apontam que a sistemática de penduricalhos escapa à lógica da responsabilidade fiscal. “Não há justificativa técnica ou moral para esse nível de disparidade entre salários da elite do Judiciário e o orçamento público disponível à população”, diz o economista Nelson Marconi, da FGV.
Supersalários x serviços básicos
A disparidade fica evidente quando os valores pagos a juízes são comparados com orçamentos municipais:
- Em Icatu (MA), a juíza Nivana Guimarães recebeu R$ 634 mil no ano, mais do que o total reservado para saneamento (R$ 332 mil) e meio ambiente (R$ 424 mil) no município.
- Em Alcântara (MA), o juiz Rodrigo Terças somou R$ 585 mil — mais do que todo o orçamento municipal para agricultura (R$ 519 mil) e habitação (R$ 151 mil).
- Em Santa Isabel do Rio Negro (AM), o juiz Manoel Átila Nunes recebeu R$ 512 mil, enquanto a cidade destinou apenas R$ 112 mil para assistência à mulher.
Para Renata Vilhena, presidente do conselho do Instituto República.org, o dinheiro gasto com esses supersalários poderia atender milhares de famílias com políticas públicas essenciais. “A concentração desses recursos compromete a equidade e o funcionamento da administração pública”, diz.
O custo bilionário da desigualdade
Só em 2023, o país gastou R$ 11,1 bilhões com supersalários no funcionalismo, segundo o Movimento Pessoas à Frente. Com esse valor, seria possível:
- Beneficiar 1,36 milhão de famílias por um ano com o Bolsa Família;
- Construir 4.582 unidades básicas de saúde;
- Financiar 3,9 milhões de bolsas do programa Pé-de-Meia para estudantes.
“Não há lógica”, dizem especialistas
Apesar de reconhecerem que juízes devem receber salários condizentes com a importância do cargo, analistas afirmam que o pagamento acima do teto — disfarçado de indenizações — mina a confiança da população no serviço público.
“Esses valores absurdos revelam a desconexão com a realidade do país. O Judiciário precisa ter salários compatíveis, sim, mas dentro de uma lógica razoável e transparente”, afirma Tadeu Barros, do Centro de Liderança Pública (CLP).
A naturalização dos supersalários, segundo especialistas, além de drenar recursos que poderiam reduzir desigualdades, reforça privilégios em detrimento da maioria dos brasileiros — especialmente os mais pobres.
🧨 Supersalários em meio à miséria
Juízes recebem até R$ 111 mil por mês em municípios entre os mais pobres do Brasil, onde moradores vivem com menos de dois salários mínimos.
📉 Remuneração de um juiz > orçamento de políticas públicas
Em cidades como Icatu e Alcântara (MA), o valor pago a um magistrado em um ano supera todo o orçamento municipal para saneamento, agricultura e habitação.
📑 “Penduricalhos” driblam o teto constitucional
Juízes acumulam verbas indenizatórias, como férias e licenças, para ultrapassar o teto de R$ 44 mil, com aval do CNJ.
⚖️ CNJ autoriza, especialistas criticam
Associações de magistrados defendem legalidade dos pagamentos. Já especialistas alertam para o desequilíbrio fiscal e a desigualdade institucionalizada.
📊 R$ 11,1 bilhões em supersalários em 2023
Valor seria suficiente para bancar:
- Bolsa Família para 1,36 milhão de famílias por 1 ano
- Construção de 4.582 UBSs
- Bolsa do Pé-de-Meia para 3,9 milhões de alunos
🏚️ Juiz com R$ 634 mil em Icatu (MA)
Enquanto a cidade tem R$ 332 mil para saneamento no ano, a juíza Nivana Guimarães recebeu mais de R$ 100 mil só em dezembro.
🚫 “Não há lógica”, diz FGV
Especialistas apontam que não há justificativa técnica nem moral para o descolamento entre supersalários e a realidade orçamentária dos municípios.
📉 Confiança no serviço público ameaçada
Altos salários na elite do Judiciário aprofundam a desigualdade institucional e desgastam a credibilidade do funcionalismo diante da população.