VEJA desmascara Mauro Cid: mensagens provam que ele mentiu no STF
Delator ocultou conversas em rede social e pode perder os benefícios da colaboração premiada
Provas obtidas por VEJA revelam que o tenente-coronel Mauro Cid, delator-chave da tentativa de golpe liderada por aliados de Jair Bolsonaro, mentiu em seu depoimento ao Supremo Tribunal Federal. Durante interrogatório na última semana, Cid negou ter usado perfis em redes sociais para tratar da delação. Mas mensagens trocadas via Instagram (@gabrielar702) desmentem o ex-ajudante de ordens — e colocam em xeque sua colaboração com a Justiça.
As conversas, obtidas com exclusividade por VEJA, mostram que Cid violou diversas cláusulas do acordo homologado por Alexandre de Moraes: falou sobre o conteúdo de seus depoimentos, comentou detalhes dos bastidores da investigação e atacou ministros do STF. Em um dos trechos, classificou Moraes como “o cão de ataque” e afirmou que o relator já tinha a “sentença pronta” contra ele, Bolsonaro e os generais Augusto Heleno e Braga Netto.
A mentira foi desmascarada ao vivo, durante o interrogatório no STF, quando o advogado Celso Vilardi, que defende Bolsonaro, perguntou diretamente se Cid havia usado um perfil falso para tratar da delação. O militar negou três vezes. O problema: as mensagens comprovam o contrário.
Entre 29 de janeiro e 8 de março de 2024, período em que já era delator formal e estava proibido de se comunicar com investigados, Cid usou o Instagram para narrar suas oitivas, criticar investigadores e dizer que “só o Pacheco ou o Lira vai nos salvar”. Em outro trecho, aposta que uma vitória de Donald Trump poderia gerar sanções ao Brasil, “igual à Nicarágua e Venezuela”.
As revelações são devastadoras. Mentir à Justiça anula automaticamente os benefícios do acordo. Cid pode voltar a ser réu comum, sujeito a penas de até 40 anos. Ele havia pedido perdão judicial ou, no máximo, dois anos de prisão — já parcialmente cumpridos. Os privilégios se estendiam também ao pai, à esposa e à filha.
A delação de Cid foi peça central para a acusação de tentativa de golpe, mencionada 179 vezes pela PGR. Ele entregou nove celulares, três computadores e uma avalanche de mensagens, vídeos e documentos que embasaram as denúncias contra Bolsonaro, seus ex-ministros e militares de alta patente.
No Supremo, porém, o delator adotou tom ambíguo: disse que o então presidente não planejou golpe, que as reuniões foram “bravatas” e minimizou o que antes havia relatado como trama golpista. A descoberta das mensagens lança dúvida sobre sua sinceridade — e oferece munição à defesa dos acusados para pedir a anulação de toda a colaboração.
O Ministério Público e o próprio Moraes podem agora revogar o acordo. “Se cair a delação, cai boa parte da espinha dorsal probatória”, avalia Gustavo Sampaio, professor de Direito Constitucional da UFF.
Cid, que foi preso e monitorado com tornozeleira, pode ter cavado seu retorno à cadeia. Para a defesa de Bolsonaro, a mentira foi um presente: fragiliza o principal delator e pode reacender esperanças de absolvição.