Lula revoga decreto de Bolsonaro e cria nova política para primeira infância sem citar gestação
Mudança silenciosa gera polêmica: especialistas veem avanço da agenda pró-aborto enquanto governo foca na proteção de crianças de 0 a 6 anos

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva revogou decreto do ex-presidente Jair Bolsonaro que protegia direitos das crianças “desde a gestação” e estabeleceu nova Política Nacional Integrada da Primeira Infância (PNIPI) sem fazer referência ao período pré-natal. A mudança tem gerado interpretações divergentes sobre as intenções do governo.
O novo marco legal
O Decreto nº 12.574/2025, assinado por Lula em agosto, estabelece proteção, desenvolvimento e direitos das crianças de zero a seis anos, mas remove os termos “gestação” e “nascimento” presentes na legislação anterior.
A nova política foi lançada em 5 de agosto pelo ministro da Educação, Camilo Santana, e pelo presidente durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS), no Palácio do Itamaraty.
Principais mudanças no decreto
O que permanece:
- Proteção integral das crianças
- Garantia à vida, cuidado, saúde e educação
- Proteção contra abuso, racismo e discriminação
- Direito a viver com dignidade
O que foi removido:
- Referências específicas à “gestação”
- Menção ao “nascimento”
- Proteção explícita ao nascituro
Interpretações divergentes
Visão crítica: O advogado Gabriel Carvalho de Jesus, especialista em direito das crianças, considera a mudança um “movimento sutil, porém gravíssimo, de instrumentalização jurídica para o avanço de uma agenda abortista”.
Para o especialista, excluir o nascituro das diretrizes representa negar “seu reconhecimento como vida digna de tutela estatal”, sendo “incompatível com o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana”.
Contexto governamental: O governo não se manifestou oficialmente sobre as razões da alteração, focando na divulgação dos benefícios da nova política para crianças já nascidas.
Reação política

A oposição mobilizou-se rapidamente para contestar o decreto. A deputada Carol De Toni (PL-SC), líder da Minoria na Câmara, anunciou ação para sustar os efeitos da medida.
“Ao retirar a proteção ‘desde a gestação’, o governo ataca o direito à vida antes mesmo do nascimento e abre brechas para a legalização do aborto”, afirmou a parlamentar.
De Toni também critica a inclusão do termo “interseccionalidade de gênero” no texto, que interpreta como brecha para “incluir ideologia de gênero” na educação infantil.
Base constitucional do debate

O artigo 227 da Constituição estabelece que é “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação”.
A interpretação sobre se essa proteção abrange o período gestacional tem sido objeto de debate jurídico e político no país.

Paradoxo na discussão sobre proteção infantil
A mudança ocorre em momento de intensa mobilização social pela proteção infantil, impulsionada pelo documentário do influenciador Felipe Bressanim (Felca) sobre “adultização” de crianças nas redes sociais.
A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) questionou a coerência do discurso: “Estamos vendo o Brasil inteiro se mobilizando para proteger crianças, mas é só crianças nascidas?”
Perspectivas jurídicas
Especialistas em direito constitucional divergem sobre o alcance da mudança:
- Críticos argumentam que representa retrocesso na proteção dos direitos fundamentais
- Defensores sustentam que a política mantém o foco na proteção efetiva após o nascimento
Próximos passos

O Congresso Nacional deve analisar as propostas de sustação do decreto, em processo que pode durar meses. Enquanto isso, a nova política continua em vigor, direcionando recursos e programas para crianças de 0 a 6 anos.
A controvérsia reflete tensões mais amplas na sociedade brasileira sobre temas como aborto, direitos reprodutivos e proteção à vida, debates que tendem a se intensificar com a proximidade das eleições de 2026.
*O governo foi procurado para comentar as críticas ao decreto, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.