Relatório aponta que Moraes violou Lei de Proteção de Dados em investigações do 8 de Janeiro
Organização americana revela uso irregular de banco biométrico do TSE para identificar invasores – Especialistas divididos sobre legalidade das práticas

BRASÍLIA – Um relatório explosivo produzido pela organização norte-americana Civilization Works acusa a equipe do ministro Alexandre de Moraes de violar a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) durante as investigações dos eventos de 8 de janeiro de 2023.
O documento, elaborado pelos jornalistas David Ágape e Eli Vieira e publicado no site Public, revela detalhes sobre como o gabinete de Moraes teria acessado irregularmente dados biométricos e informações de redes sociais para investigar participantes da invasão dos Três Poderes.
OPERAÇÃO NAS SOMBRAS
Segundo o relatório, a AEED (Assessoria Especial para o Combate à Desinformação) do TSE funcionou como uma “estrutura paralela de investigação criminal” sem base legal adequada. A equipe teria recebido acesso ao GestBio, banco de dados biométricos que armazena:
- Impressões digitais de eleitores brasileiros
- Fotografias faciais do cadastro eleitoral
- Assinaturas coletadas durante o alistamento
- Dados pessoais sensíveis protegidos por lei
MÉTODO REVELADO
O processo investigativo teria seguido três etapas:
1. IDENTIFICAÇÃO: Uso do GestBio para associar rostos das imagens do 8 de Janeiro a nomes reais 2. MONITORAMENTO: Pesquisa nas redes sociais por publicações consideradas “antidemocráticas”
3. INVESTIGAÇÃO: Análise de conteúdos anteriores à própria invasão
CONVERSAS COMPROMETEDORAS
O relatório apresenta diálogos que seriam do ex-assessor Eduardo Tagliaferro (TSE) com outros auxiliares de Moraes, incluindo Cristina Kusuhara, chefe de gabinete no STF. As mensagens sugerem investigações não oficiais coordenadas entre os dois gabinetes.
ESPECIALISTAS DIVIDIDOS
VIOLA A LEI: O advogado Richard Campanari (Abradep) é categórico: “O GestBio não foi criado nem autorizado como ferramenta de investigação penal. Seu uso é restrito às finalidades eleitorais previstas em lei.”
Para uma utilização legal, seria necessário:
- Base legal expressa para compartilhamento
- Convênio específico ou ordem judicial
- Observância do devido processo legal
DEFENDE A LEGALIDADE: Já Bruno Andrade (Abradep) discorda, citando o artigo 4º da LGPD: “A lei não se aplica em atividades de investigação e repressão de infrações penais. Poderia haver essa utilização porque a LGPD não se aplica ao acesso do relator no Supremo.”
PARALELO COM A LAVA JATO
O caso evoca memórias da Operação Lava Jato, quando mensagens entre o então juiz Sergio Moro e procuradores levaram à anulação de provas pelo ministro Dias Toffoli em 2023.
Campanari vê semelhanças preocupantes: “O que se evidencia agora é algo substancialmente mais grave: um ambiente institucional que opera pela lógica do silenciamento e do controle. Esse vazamento é o atestado de óbito do Estado de Direito no país.”
CRONOLOGIA DA POLÊMICA
AGOSTO 2022 – MAIO 2024: Moraes preside TSE simultaneamente à relatoria no STF JANEIRO 2023: Invasão dos Três Poderes AGOSTO 2024: Primeiras revelações da Folha de S.Paulo sobre conversas AGOSTO 2025: Relatório completo da Civilization Works
POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS
O advogado Richard Campanari alerta para riscos de:
- Anulação dos inquéritos sob relatoria de Moraes
- Questionamentos sobre parcialidade judicial
- Problemas de ética e legalidade processual
- Invalidação de provas obtidas irregularmente
SILÊNCIO OFICIAL
TSE, STF e gabinete de Alexandre de Moraes foram procurados, mas não responderam até a publicação desta reportagem.
CONTEXTO INTERNACIONAL
A Civilization Works se define como defensora de valores liberais-democráticos. O relatório foi divulgado no Public, site de Michael Shellenberger, autor do polêmico “Twitter Files Brazil” sobre decisões judiciais envolvendo redes sociais.
ANÁLISE
O caso representa um teste crucial para o sistema judiciário brasileiro. Se confirmadas as irregularidades, pode-se questionar não apenas a validade das investigações do 8 de Janeiro, mas a própria separação entre poderes e o respeito aos direitos fundamentais.
A revelação ocorre em momento de alta tensão política, com o STF já sob pressão por suas decisões polêmicas e crescente questionamento sobre os limites do poder judiciário.
A pergunta que fica: Até onde pode ir a investigação judicial quando a própria democracia está em jogo?